Monday, June 16, 2014

A virtude dos depravados

Mesmo nas sociedades ocidentais, nos países mais abertos e com população mais esclarecida, há ideias ainda consideradas intocáveis ou superprotegidas. Alguns conceitos estão revestidos de um escudo permanente inquebrável, mesmo tendo um desconhecido fundamento para maioria das pessoas.

Eles chegam a beirar o dogmatismo e moldam comportamentos. A religião, felizmente, deixou de ser inquestionável, embora suas instituições continuem sendo injustificadamente superprotegidas.

A autoridade, a democracia representativa, o voto, o trabalho. Todos superprotegidos e praticamente imaculados. Questioná-los é quase considerado um desvio de caráter. Mas todos merecem análise cuidada. Todos podem ser desconstruídos à luz do que de mais avançado há na ética e na sociologia.

Mas mais do que os conceitos referidos ou que quaisquer outros, há um cuja proteção beira a intolerância e a total irracionalidade, além de ser substancialmente dogmático: o patriotismo.

Alguém já viu o patriotismo ser questionado? Não me refiro a falar mal do país de origem devido a uma crise, à corrupção dos políticos ou a maus resultados desportivos. Estou falando do conceito em si. Da ideia por detrás da palavra.

O patriotismo é uma das maiores aberrações criadas pela humanidade e continua aí, vigorando como se de algo sublime se tratasse. Em nome do patriotismo (nacionalismo, na variante ideológica) foram cometidas as maiores barbaridades ao longo de toda a história. Em nome dele e do provincianismo e bairrismo que despoleta, povos puseram-se uns contra os outros, travaram guerras sangrentas, tentaram justificar dominações, rapinagens e imperialismos. O patriotismo também é alavanca da xenofobia, do racismo e da eugenia.

Como uma ideia tão horrenda e violenta pôde permanecer mesmo nas sociedades mais avançadas como algo louvável, positivo e saudável? Em muitas partes do mundo ainda se mata e se morre por ela. Os países com mais anseios belicistas sequestram seus jovens e dizem-lhes que é motivo de orgulho morrer pela Pátria. Onde não há guerras, questões históricas de conflitos territoriais continuam alimentando rivalidades entre vizinhos. Na Europa podemos senti-las ainda hoje ao longo de todo o continente: Portugal e Espanha, França e Alemanha, Polônia e Lituânia, Hungria e Eslováquia, Itália e Eslovênia, Grécia e Turquia, Estônia e Rússia, Inglaterra e Escócia. E há muito mais. O que dizer da ex-Iugoslávia? Todas remetem a acontecimentos políticos de disputas de povos e territórios, mas ainda hoje suas feridas alimentam reações jingoístas e mesmo que muitas só sejam sentidas em larga escala no contexto desportivo, elas existem e continuam moldando as mentalidades. Pior do que isso é ver a aberração que se tornou a União Europeia. O pressuposto de uma estirpe comum é tão enganador quanto o nome da instituição, que celebra em seu seio um implacável banquete canibal.

Do outro lado do Atlântico, a Sul, há a estúpida guerrinha entre Brasil e Argentina, alimentada pela mídia de ambos os países no contexto futebolístico, mas que o transborda. No Brasil, todo mundo sabe que argentino não presta, que é inimigo. A explicação não vai além da raiva ao Maradona, ao Caniggia ou ao temível Boca Juniors, carrasco de clubes brasileiros na Libertadores da América.

Nos últimos anos os imigrantes bolivianos viraram alvo de xenofobia, enquanto os paraguaios recebem status de povo especialista em contrafação e são sinônimo de tudo o que é falso. Nós, brasileiros, somos nojentamente arrogantes em relação aos nossos vizinhos sul-americanos. Descarregamos neles toda a humilhação que nos é imposta pelos “gringos”.

E é assim mundo afora, aqui e acolá. Quem faz o contraponto ao rebanho jingoísta leva logo com o “argumento” do patriotismo. Dizem que devemos ter orgulho do nosso país, da nossa bandeira, da nossa história. Devemos proteger “os nossos”.

Eu faço questão de ir na contramão dessa ideia perversa. Em primeiríssimo lugar, é absurdo ter orgulho no acaso e o fato de termos nascido neste ou naquele país é fruto do mais puro acaso. Escolhemos onde nascemos? Népia! Em segundo lugar, não há absolutamente NADA para se orgulhar da nossa bandeira e do nosso passado enquanto nação. TODOS os países carregam sangue e terror em seus símbolos nacionais. Todas as bandeiras nacionais deveriam ter a cor vermelha. Nem que fosse apenas um pingo minúsculo. Se querem representar as fundações dos países em trapos coloridos, que o façam coerentemente. Não há países inocentes. Povos edificaram-se sobre outros povos, sempre carregando essa ideia de “nós”, de “nosso”. O país onde nasci, Brasil, tem um passado curto, mas o que há é tão vergonhoso quanto o presente. O caso de Portugal é ainda pior. A pátria lusitana tem uma história imperialista que é, incompreensivelmente, romantizada e glorificada no próprio hino nacional. Retirando toda essa cobertura alegórica, o passado de Portugal é tão bárbaro quanto o III Reich. Sim, é! Não adianta dizerem que não ou se sentirem ofendido com tal comparação. Os portugueses do período imperial rapinaram, chacinaram e escravizaram outros povos. Sim, os portugueses de há séculos fizeram isso, não os de agora. Vejam o lado positivo de aceitarem a realidade, afinal não tiveram nada a ver com aquela barbárie e não têm as mãos sujas de sangue, apenas exaltam símbolos encharcados. O que houve foi um genocídio contra os ameríndios e contra os africanos, que por sua vez se mataram entre si mediante disputas tribais e conflitos territoriais criados pelo imperialismo europeu. Tudo em nome do patriotismo. Do “nós” contra “eles”.

O patriotismo é tão grotesco que separa povos vizinhos para os unir a outros mais distantes. Só assim um catalão pode se sentir mais espanhol que francês. Só assim um trasmontano ou um minhoto podem estar mais próximos de algarvios do que de galegos. O que dizer dos brasileiros que habitam as longínquas fronteiras de toda extensão Norte e Oeste e só têm contato com o centro da cultura dominante brasileira através dos meios de comunicação massificados e estupidificantes?

É claro que há muito mais do que questões territoriais. Há traços culturais, como a língua, evidentemente. Mas mesmo esses traços foram moldados forçosamente no confinamento territorial dos povos e em muitos casos os assemelham muito mais a quem está do outro lado da fronteira do que a quem está noutras regiões de um mesmo quintal com cerca embandeirada, como dizia Raul Seixas. A Península Ibérica é um exemplo perfeito disso. Mas não pretendo adentrar em História. O conceito de patriotismo é o meu alvo e para sentir repulsa dele não precisamos recorrer ao passado, embora este a reforce substancialmente.

O que há de positivo no patriotismo? Como nos enriquece enquanto indivíduos ou mesmo coletivamente? Afinal, quem se beneficia dele além das elites políticas, militares e financeiras? Sim, mesmo as financeiras! Num mundo globalizado é importante que os rebanhos bradem pelos seus pastos. Assim, garante-se o jingoísmo festeiro. De que outra forma se consegue justificar a rapina de tanto dinheiro desviado para mega eventos desportivos? Como o parasitismo das elites seria sustentado? Não apenas monarcas designados pelo divino. Republicanos também. Como manteriam sociedades fortemente verticalizadas sem os lacaios da união nacional? O patriotismo consegue fazer os oprimidos aceitarem sua condição. É a maior garantia de paz social e é para isto que de fato serve. Tão comovente!

Numa Europa em crise, é importante unir os povos em torno de suas bandeirolas contra inimigos comuns estrangeiros. Para diminuir o perigo da aversão às instituições europeias passar às vias de fato, há sempre o apelo patriótico que vê no estrangeiro não europeu um bode expiatório perfeito. Não é por acaso que os períodos de crise despoletam mais xenofobia e mais evidência dos movimentos nacionalistas. Sempre foi assim. O Fascismo e o Nazismo foram alavancados por crises.

O mais curioso é notar a distinção que as pessoas fazem entre nacionalismo e patriotismo, quando o primeiro é apenas a manifestação político-ideológica do segundo. O fundamento teórico de ambos, que são um só, está assente na mesma ideia de Povo, Cultura, Identidade e Nação. Dizem que nem todo patriota é nacionalista. Claro que é! Todo patriota é nacionalista por definição. O que querem dizer é que nem todo patriota transforma o conceito em ideologia política. Felizmente!

Vou aludir a algo bem pessoal para refutar o patriotismo. Formalmente, sou brasileiro. Apesar de já não ter sequer passaporte ou identidade tupiniquim. Sou brasileiro por ter nascido no Brasil e não importa se vivo há quase 15 anos noutro lugar. Sou e sempre serei brasileiro. Assim quis o acaso e devo me orgulhar dele (?). Mas mesmo que nunca tivesse saído do Brasil, são muito mais as coisas que me separam da esmagadora maioria do povo daquele país do que as que de fato me unem a ele. Aliás, a minha repulsa pela sociedade e pela cultura dominante brasileira não é mais fraca do que a minha repulsa pelo patriotismo. O mesmo digo de Portugal, país onde vivi a maior parte da minha vida adulta até então. Os patriotas que me perdoem, mas se há um país com o qual eu me sinto identificado, é a República Checa, mesmo sem assimilar muito bem a cultura desses eslavos e ter problemas com o próprio idioma. Como me identifico? Sei lá! Foi o país que escolhi, acho-o bonito e interessante e isso para mim basta. Se tivesse que escolher entre Brasil, Portugal ou República Tcheca, os dois primeiros explodiriam. Se houvesse uma guerra e me obrigassem a lutar por um dos países contra os outros, eu marcharia em nome de São Nepomuceno. Mentira! Fugiria e deixaria que os lacaios se matassem em nome das elites e seus símbolos nacionais. Em sã consciência, nunca daria a vida por nenhum país. As bandeiras nacionais não valem mais do que meras peças decorativas.

Recordo-me dos meus primeiros esboços antipatrióticos. A Copa do Mundo é um período especialmente irritante no Brasil. Tudo se tinge a verde e amarelo e só se respira futebol. Em 1998, a Copa da França me fez despertar sentimentos inéditos em relação à seleção e ao “meu país”. Lembro-me especialmente do jogo das quartas-de-final entre Brasil e Dinamarca. Eu tinha, desde tenra idade, uma admiração inexplicável pela Dinamarca e pela Checoslováquia (optaria apenas pela República Tcheca após a divisão com a Eslováquia). Eram as minhas seleções de futebol favoritas e eu adorava futebol como ninguém. Respirava-o! Às vésperas do jogo comecei a perguntar-me por que raios deveria torcer pelo Brasil, se preferia a Dinamarca. Adorava o nome do país, dos jogadores e achava o uniforme vermelho muito mais belo. Por mais que quisesse sentir-me fiel à canarinha, meu coração pendia para o lado dinamarquês. E foi o que assumi. No dia do jogo pintei a bandeira dinamarquesa no rosto e sofri com a derrota por 3x2 para a seleção da CBF. Foi a minha primeira demonstração de antipatriotismo. Antes disso, recordo-me de assistir aos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, e vibrar pelas seleções brasileiras de vôlei e basquete perante comentários de reprovação de mãe e tia, que sempre torciam contra, argumentando que um país miserável e corrupto como o Brasil não merecia apoio. Eu não entendia patavinas daquilo, mas talvez a semente tenha ficado.

A partir de então, nunca mais torci pela seleção brasileira. Quando me mudei para Portugal, já simpatizava com o anarquismo (que é a única ideologia que combate o patriotismo) e a minha aversão à pátria passou a incluir também Portugal. O patriotismo português sempre me pareceu mais aberrante que o brasileiro por um motivo simples: enquanto o patriotismo brasileiro carrega uma roupagem festeira e alienante, configurando um puro jingoísmo de massas à deriva, o patriotismo português sempre me pareceu mais sério e carregado de um injustificável orgulho pelos absurdos do passado. Sempre me pareceu ser uma exaltação da raça, da identidade nacional e do imperialismo, termos arrepiantes que me dão náusea.

Desde os primeiros dias como imigrante reneguei o patriotismo português e fui visto como um arrogante ou como um colonizado complexado. As pessoas não compreendem nem aceitam a ideia de alguém estar-se borrifando para a Pátria. Certa vez, num dos grandes protestos contra a invasão do Iraque no Porto, um senhor veio perguntar-me o que significava a bandeira portuguesa cortada com um X no meu casaco. Respondi-lhe, na inocência da juventude, que era uma demonstração contra as fronteiras do mundo. O velhote irritou-se e encheu-me de insultos. Era, muito provavelmente, um membro do Partido Comunista Português. Semanas depois, noutra daquelas manifestações, pus uma bandeira portuguesa no meio da rua para os carros passarem sobre ela. Um dos carros parou à sua frente até que fosse removida dali, numa comovente demonstração de fidelidade a um símbolo nacional que naqueles dias estava sujo de sangue iraquiano.

Como imigrante antipatriota, enfrentei a fúria dos que não aceitam que um estrangeiro negue a sua pátria. Parece senso comum que uma pessoa só possa criticar o seu próprio país e respeitar incondicionalmente os símbolos nacionais dos demais. Eu nunca aceitei essa balela e nunca tive problemas em criticar Portugal para um português ou a República Tcheca para um tcheco. Não é uma questão de desrespeito gratuito. Simplesmente os símbolos nacionais não têm nenhum valor especial para mim e o conceito de patriotismo me dá asco, nojo. Como disse o escritor chileno Luís Sepúlveda, a palavra patriotismo deveria desaparecer do dicionário.

De todas as aberrações geradas pelo sentimento patriótico, talvez a mais detestável seja o apoio incondicional a pessoas conterrâneas, por mais execráveis que possam ser. Quem, em Portugal, não se recorda de Durão Barroso, o famoso cherne? O ex-Primeiro-Ministro português (também ex-maoísta reciclado politicamente a tempo para virar parasita neoliberal e lacaio de Bush) que abandonou um Portugal de “tanga”, como ele mesmo gostava de dizer, para chefiar a Comissão Europeia em Bruxelas com um salário chorudo, era respeitado e exaltado apenas por ser português. Diziam-me que era um orgulho tê-lo à chefia da uma instituição europeia. Orgulho? Como explicar isto? O sujeito encabeçou um governo catastrófico, arrastou Portugal, contra a vontade da população, para um conflito totalmente ilegal ao lado dos EUA, colocando o país na rota do terrorismo islâmico, desfez o governo e fugiu para Bruxelas para ganhar muito dinheiro. Orgulho desse imbecil? Sim, afinal ele é português e isto basta!

Mas é o futebol que gera mais culto irracional à personalidade. Em Portugal há duas pessoas endeusadas: o treinador José Mourinho e o jogador Cristiano Ronaldo. São portugueses e isto basta! Não interessa se o primeiro é um manipulador que joga muito sujo, que cria ruído e confusão por vaidade ou para desestabilizar adversários. Alguém que carrega consigo a máxima “o fim justifica os meios”. Também não interessa que o segundo seja arrogante e egocêntrico inveterado. Mourinho autointitula-se Special One e Ronaldo considera que é alvo de inveja por ser rico, bonito e craque. Também não interessa que vivam suas vidas milionárias no estrangeiro e estejam se borrifando para Portugal. O que interessa é serem portugueses!

Seguindo esta linha de raciocínio (ou falta dele), podemos facilmente concluir que Salazar é um dos símbolos de orgulho do país. Afinal, devido aos quase quarenta anos de ditadura, ele é, até hoje, uma das personagens de Portugal mais famosas no mundo e pouco importa o resto. Caráter? Oh! A nacionalidade o resume.

No Brasil, o maior símbolo patriótico de culto à personalidade é Pelé, o Rei, como é chamado. Pelé é um sujeito absolutamente retrógrado e alinhado a o que há de pior na política e no dirigismo desportivo brasileiro. O próprio Romário, outro simbolo nacional, disse que ele calado era um poeta. Criticar o Rei enquanto pessoa é aceitável, mas sugerir que outro jogador o superou ou o supera é caso patológico. Não se aceita, sob hipótese alguma, que Pelé não seja o melhor jogador de todos os tempos. Ontem, hoje e sempre! Nunca haverá alguém melhor. Pelé é intocável, porque tocar em Pelé é tocar no maior símbolo nacional do país. Assim criam-se os mitos. Como bom antipatriota, faço questão de afirmar que o Rei na verdade é súdito de Messi e Maradona. Sim, justamente os dois argentinos. Muito do que se atribui a Pelé não passa de produto da propaganda patriótica da ditadura militar. Da Pátria de chuteiras, do ame-a ou deixe-a.

Como cidadão do mundo que de fato sou, sem pátria e mesmo sem lar, nego-me a limitar-me a uma ideia tão pequena e medíocre. A minha maior aspiração na vida é atingir a plenitude do multiculturalismo e desfazer-me de vícios e costumes provincianos. Não há nada mais enriquecedor do que sair do próprio mundinho feito de dogmas e tabus e enriquecer-se enquanto indivíduo livre de amarras e convenções sociais limitadoras do ser. O patriotismo é uma amarra que cega e impede o desenvolvimento da autocrítica. Seu antídoto é o internacionalismo e a ideia de que somos cidadãos de um mundo vasto e não podemos estar despojados da sua diversidade em nome de conceitos obsoletos que glorificam infâmias coletivas.

Ao longo da história, poucas pessoas públicas tiveram a coragem de enfrentar o tabu e a superproteção do patriotismo. Se excluirmos os anarquistas, antipatriotas por força da concepção internacionalista do socialismo libertário e da negação da autoridade, encontraremos apenas um pequeno punhado de personagens meio que marginalizadas, embora célebres, como Oscar Wilde, autor daquela que é, provavelmente, a mais famosa frase antipatriótica da história e a quem parafraseio:


O patriotismo é a virtude dos depravados.

Sunday, June 15, 2014

O problema não foi o insulto, mas quem insultou

Não vi os insultos ao vivo. Estava no metrô ainda a caminho de uma "fanzone" na cidade onde moro. Não tinha a menor vontade de ver o jogo de abertura da Copa, só queria mesmo estar na rua com os amigos estrangeiros, enchendo a cara de vinho e provocando (meti-me no meio da massa verde e amarela com uma camisa da Croácia). À noite começaram a pipocar as notícias sobre os xingamentos que a presidente Dilma recebera da torcida dentro do Itaquerão, boa parte delas em tom bem áspero contra o comportamento dos torcedores. Essa é a parte que me espanta: de repente todo mundo virou puritano e moralista. Já não se pode xingar, já não se pode apelar à catarse. Essa crítica veio de pessoas identificadas com a esquerda. A primeira que li foi do jornalista esportivo Juca Kfouri, acusando a elite branca de mal-educada e mal-agradecida. Concordo absolutamente com a segunda acusação, mas a primeira é balela. Caso estivesse no estádio, eu também recorreria a xingamentos. É claro que eu NUNCA estaria no estádio da abertura da Copa, afinal sou branco, mas não sou da elite. Também não estaria porque meu único contributo para esse evento vergonhoso é estar nas fanzones bebendo vinho barato e torcendo para os adversários do Brasil. Já é um contributo excessivo; eu deveria estar foragido nalguma praia deserta durante todo esse mês de pão e circo e jingoísmo alienante. Mas ninguém é perfeito.

Bem, voltemos aos insultos. Eu os compreendo e não os condeno de forma alguma. Só condeno os protagonistas deles. Estamos falando de uma elite que elege Alckmin e Serra, ou seja, consciência política não é o forte dela. O motivo dos insultos não me representa minimamente, nem a mim, nem aos manifestantes que estavam levando porrada da polícia militar nas ruas de São Paulo. O próprio Juca Kfouri, na entrevista ao Roda Viva da TV Cultura, mostrou-se bastante ingênuo ao dizer que as vozes das ruas chegaram aos estádios. Outra balela! As vozes dos estádios são as vozes de quem não vai a protesto, de quem chama manifestante de vagabundo. Essa gente pegou o embalo da indignação popular mas não sabe bem por que motivo o fez. Moda, talvez. Quiseram mostrar-se moderninhos, engajados. Mas essa gente não tem nenhum engajamento político. Foram os mesmos que encheram as manifestações do ano passado com a bandeira do Brasil, tiraram fotos para o Facebook e em seguida desapareceram das ruas. Insultaram Dilma apenas porque representam o velho Brasil, não admitem reformas sociais mínimas e engolem o discurso das Globos e Vejas da vida. A ingenuidade do Juca Kfouri talvez esteja ligada ao seu amor pelo futebol, que o faz ainda tentar encontrar um mínimo de dignidade na Copa do Mundo. É verdade que ele tem a coragem de criticar a organização do evento, mas não diz nada sobre o fanatismo e o exagero à volta do esporte. Ele realmente acha que futebol não é produto de alienação. Mas talvez esperar uma postura ainda mais crítica de alguém que está atrelado a esse meio seja pedir muito, sei lá.

Alguém escreveu no Facebook que havia mais negros na seleção croata do que nas arquibancadas do Itaquerão. É exatamente isso! E recordemos que Itaquera é uma região popular de São Paulo. Mas não é só lá. Todas essas doze novas "arenas" estão recebendo as elites das suas doze cidades e as dos países que participam da Copa. Ontem a Globo falava da festa que o povo colombiano estava fazendo durante a estreia vitoriosa da Colômbia. Ora, ali não estava o "povo", ali estavam os brancos endinheirados do país, os que podem viajar para o Brasil e comprar ingressos caros. Essa Copa é para níveis europeus, não sul-americanos. O Padrão FIFA é um selo de garantia da elitização do evento. O brasileiro comum vai ficar na rua do seu bairro vendo os jogos pela televisão.

Houve um ser iluminado que escreveu que estava sentado ao lado de meia dúzia de negões lá dentro do estádio, como se a utilização da exceção para confirmar a regra fosse um argumento de peso. Escorregou na maionese e nem percebeu, coitado. Deu uma de Pondé.

Os insultos a Dilma não são algo condenável por si só. Vamos lá, companheiros de esquerda, imaginemos o seguinte: estivéssemos todos nós no estádio e FHC ainda fosse o presidente, o que teríamos feito? Eu vomitaria as entranhas e coraria ao rubro de tanto berrar insultos. Não é sempre que temos a oportunidade de enviar recados diretos aos nossos queridos "representantes". Quando a oportunidade aparece é bom que desabafemos mesmo. Muito mais grave do que os insultos a Dilma foi o comportamento dessa elite branca tupiniquim contra outros alvos. Maradona foi hostilizado e saiu furioso do estádio, os croatas foram vaiados e, mais grave, Diego Costa foi perseguido durante todo o jogo da Espanha por ter escolhido jogar pela seleção ibérica em detrimento da brasileira (e não havia nada que o garantisse na convocação de Felipão). Isso sim é uma demonstração de tacanhice, de falta de maturidade, de bairrismo, alienação e intolerância. Além do mais, a hipocrisia dessa elite dos estádios é de dar vergonha alheia. Dona Dilma (e Lula) fez uma Copa Padrão FIFA de bandeja para essa elite mimada e ela ainda reclama? Graças ao PT e seu conluio com a FIFA essa trupe jingoísta de bairros nobres tem a oportunidade de se sentir na Europa sem sair do Brasil e ela ainda fica com mimimi? Se tivessem feito uma Copa popular acessível ao povão, essa elite higienista teria toda a razão em reclamar. Mas não, são uns mal-agradecidos mesmo.

Mas não é só a elite dentro dos estádios. O brasileiro comum não está muito acostumado a lidar com estrangeiros e quando eles dão as caras em grande número vem à tona a falta de fair play. Um argentino teve o dedo quebrado quando passeava por Belo Horizonte com a bandeira do país vizinho e se viu cercado por brasileiros que a tentaram arrancar das suas mãos. Vários assaltos já foram feitos a estrangeiros nos últimos dias e dentre as vítimas estão também jornalistas da imprensa internacional. Já que, afinal, está tendo Copa, que ela seja aproveitada para que as pessoas respeitem mais quem vem de fora e para que se acostumem mais com a diferença. De resto, essa é a Copa mais questionada e impopular da história. É a mais cara e a mais polêmica. O único verdadeiro legado da Copa do Mundo do Brasil são as manifestações e o surgimento de uma cultura de reivindicação que desde Junho de 2013 se materializou em dezenas de novos movimentos sociais. Tem havido demonstrações de solidariedade com protestos anti-FIFA um pouco por todo o mundo. No dia da abertura, a imprensa do mundo inteiro dava mais destaque ao duelo travado nas ruas de inúmeras cidades brasileiras entre manifestantes e polícia do que ao pontapé inicial em si. Foi uma enorme vitória do #NãoVaiTerCopa.

Agora é esperar que a seleção da CBF seja logo eliminada.


Saturday, June 7, 2014

Uma Religião chamada PT


Já há algum tempo que deixei de acreditar que ideologia define caráter. Bem, com algumas óbvias exceções, claro. Parece-me impossível haver um neo-nazista que seja boa pessoa. Mas esse é um caso extremo que se não caracteriza, pelo menos beira a patologia. A minha observação é sobretudo nas ideologias que têm ao menos um mínimo elemento harmônico na sua concepção de vida em sociedade e, dentre elas, pego no espectro político para definir dois campos bem abrangentes: o campo Socialista e o campo Capitalista, por assim dizer. Claro que muita gente torce o nariz para a utilização desses termos, mas eles servem bem para a minha reflexão. Há alguns anos, quando eu era muito apaixonado pelas ideias e pouco maduro, não me restavam dúvidas de que qualquer pessoa que se assumisse como sendo de Direita ou defensora do Capitalismo era, automaticamente, minha inimiga mortal e não merecia mais do que o meu repúdio mais histérico. Por outro lado, quase que como por efeito, qualquer pessoa assumidamente de Esquerda ou Socialista (atenção, não utilizo Esquerda e Socialismo como sinônimos) era, na pior das hipóteses, cheia de boas intenções, e por mais que demonstrasse algumas falhas de caráter, o abono das ideias sempre suavizava qualquer reprovação.

Hoje não penso mais assim. Não sei exatamente o que me fez mudar. Uns dirão que foi a idade, outros dirão que foi a formação acadêmica científica e com apelo à razão. Outros poderão dizer que já não sinto as ideias como dantes, como quando as ia desvendando pouco a pouco. Pode ser, mas não creio. Não me cansei da política e continuo cada vez mais interessado por ela. Depois de refletir um pouco, passei a apostar na hipótese de que o que me transformou numa pessoa politicamente tolerante foi exatamente o meu interesse pela política, ou seja, o meu enorme gosto em debater ideias, em abordar problemáticas, aprofundar pensamentos e, sobretudo, confrontar-me com concepções opostas não apenas para superá-las, mas para aprender com elas. Acho que essa foi a postura mais inteligente que já assumi enquanto indivíduo politizado.

Isso não quer dizer que eu não tenha uma ideologia. Muito pelo contrário. Certa vez, há muito tempo, perguntado pela mãe de um amigo de classe média alta se eu era de esquerda, respondi-lhe, no fervor da juventude, que era anarquista. Eu já sabia muito bem o que o anarquismo significava, já tinha lido algumas coisas de Bakunin e Proudhon e estava tentando convencer-me a mim próprio a não desistir de ler O Capital de Marx (acabei por desistir porque era muito longo e chatíssimo para uma mente de 18 anos). A mãe do meu amigo disse, num contra-ataque fulminante e implacável, que eu ainda era muito novo e que, amadurecendo, esqueceria essa tolice. Hoje, 13 anos depois, já com uma preocupante quantidade de cabelos brancos na cabeça, continuo achando que o anarquismo é a melhor ideia de organização da sociedade já concebida pela mente humana. Não é perfeita, porque, afinal, é humana. Mas é a ideia mais avançada do ponto de vista ético e mais justa do ponto de vista social. Se é viável ou não, creio ser uma questão de tempo e de evolução constante. Ah! Sim, essa é uma das minhas grandes divergências metodológicas com outros anarquistas. Eu não acredito na revolução. Quer dizer, acreditar nela como retórica ou mesmo como pressão social, acredito. Não digo que não considero a revolução necessária. Não é isso. Mas não vejo como uma revolução pode ser viável atualmente. O grande perigo de um processo revolucionário nos dias atuais é ele acabar numa ditadura de interesses diametralmente opostos aos que a provocaram. Sou um reformista? Não! Tenho alergia dessa trupe, até. Mas não me incluo no grupo dos que metodologicamente defendem a revolução aos moldes do século XIX. Vivemos noutro tempo. E temos muito para comemorar, porque se por um lado é verdade que não conseguimos concretizar as nossas revoluções (a perda da mais profunda delas, a espanhola, ainda é muito dolorosa), por outro lado as tentativas de as provocarmos fizeram com que as sociedades avançassem e chegassem ao que temos hoje, que apesar de todos os apesares (e são muitos) é algo muito melhor do que o que existia há cem anos. Evolução! Mas uma evolução só possível pela insistência dos revolucionários mais apressados. É nisso que eu me incluo. Sou um evolucionário. Eu não quero apenas a revolução nas ruas, com violência e destruição da sociedade doente vigente. Eu quero a mudança a partir das mentalidades. Não basta tomarmos as ruas. Precisamos tomar as ruas sabendo o que fazer. Não basta derrubarmos o poder quando toda a estrutura mental da sociedade só está preparada para substituir um poder por outro. Enfim. Esta é uma divagação anarquista que até se abrange às perspectivas da Esquerda em geral, mas não é o meu ponto. O importante era eu dizer que sim, que sou um idealista e não quero convencer a ninguém de que sou neutro ou imparcial, como também ninguém me convencerá do mesmo. Somos todos parciais!

Onde quero chegar? O título do texto não está errado. Quero chegar ao PT, o Partido dos Trabalhadores, que atualmente é o partido que lidera a confusa e heterogênea coligação governista no Brasil. Quando o PT chegou ao poder, eu pensei que somente o melhor do caráter humano poderia ser aproveitado para transformar o Brasil. Também pensei que Lula não fosse se reciclar tanto. Mas tudo bem. Antes com Lula e agora com Dilma, o PT apresentou seus projetos e teve seus méritos. E atenção: eu reconheço as melhoras que o Brasil teve. Elas não são tão grandes quanto os petistas publicitam e nem tão pequenas quanto a oposição vocifera. Houve avanços. Do meu ponto de vista, foram insuficientes, mas eles existiram. O problema é o esgotamento político do PT, o seu esvaziamento ideológico e o seu total (eu diria até pornográfico) compromisso com a conveniência da governância. O PT deixou de governar com base num projeto social e passou a governar como uma máquina burocrática que tem espasmos só de ponderar a possibilidade de perder a posição que ostenta no poder federal. O PT governa para ser governo. E governa para seus padrinhos, para seus patrocinadores. Isto é o PT; um partido como todos os outros. Há gente boa e bem intencionada lá dentro? Há! Como há em quase todos os partidos. Nos de direita também. É razoável pensar que o caráter é cultivado à direita tanto quanto à esquerda. As ideias são outra coisa. "Outros quinhentos", como se diz na gíria.

Qual é, afinal, o meu problema com o PT? Bem, meu problema é bem mais com a base petista. Do PT eu não espero mais do que o que eu espero dos outros partidos grandes. O PT está longe de ser socialista e mais ainda de ser comunista. O PT gere um país capitalista que, durante a última década, tentou (graças ao PT) implantar uma tímida social-democracia. Bem mais tímida do que a social-democracia dos países europeus, muitos dos quais governados por partidos de direita, diga-se. Ah! Sim, atualmente é complicado falar de Welfare State na Europa devido ao advento da crise. Mas acho que deu para perceber onde quero chegar.

O problema está na base petista. Ou pelo menos em parte dela. Quando eu vejo pessoas mentindo descaradamente e com orgulho, eu sinto que há algo muito errado. A mentira é menos grave por ser uma mentira de esquerda? Quando eu vejo gente que se diz "socialista" gritar em favor do bastão da polícia contra manifestantes de movimentos sociais, parece-me haver uma distorção enorme na cabeça dessas pessoas. Quando eu vejo gente de esquerda que sofreu com a ditadura militar dizendo agora que "quem não gosta do Brasil que se mude para outro país", eu fico com muita raiva. Para quem não sabe, "Brasil, ame-o ou deixe-o" foi talvez o lema mais simbólico da ditadura dos generais. O que há com essa gente?

O comportamento de muitos petistas tem sido o mesmo de um adepto de um clube de futebol ou de um fanático religioso. O PT se transformou, para eles, numa religião. Tudo o que o PT diz é verdade. A verdade só pertence ao PT e a oposição, seja de direita, seja de esquerda, é mentirosa, rancorosa, canalha, "coxinha", antipatriota. Qualquer notícia desfavorável ao PT é mentira produzida pela mídia golpista de direita ou dos arruaceiros mascarados. Qualquer estatística tirada do site do PT ou do governo federal é verdade absoluta. Quer saber a verdade? Quer ser bem informado? Beba na fonte do PT, lá está tudo o que você precisa saber. Aliás, esses petistas não gostam dos EUA e dos políticos de lá, mas quando um deles aparece dizendo algo minimamente favorável sobre o Brasil atual, eles nos inundam com suas referências à notícia, pois até a pessoa menos credível passa a ter credibilidade automática quando elogia o PT.

O fanatismo religioso ao PT atinge o nível da vergonha alheia. Eu vejo gente que sempre foi a favor da liberalização das drogas fazendo campanha ad hominem contra uma das principais figuras da oposição nos seguintes termos: "Como? Um candidato envolvido com cocaína até às narinas pode ser presidente da república? Fora tucanalhas!". Quer dizer que esse pessoal faz propaganda pela marijuana, fuma seus baseados com orgulho, não se preocupa com os porres etílicos de Lula, mas se torna o maior moralista quando alguém da oposição faz, presumivelmente, o mesmo uso que eles fazem da alucinogenia? É que uma coisa é acusar Aécio Neves de estar ligado ao tráfico, outra coisa é condená-lo pelo uso de drogas. Para esses petistas, suas bandeiras só são hasteadas quando lhes convêm. Quando o vento sopra do outro lado, elas são recolhidas.

E a Copa do Mundo? Há uns anos, o típico militante petista era moderadamente averso aos exageros futebolísticos. Hoje, há essa trupe que coloca a seleção brasileira acima dos movimentos sociais e a Copa do Mundo acima das reivindicações populares. E passam isso na cara dos outros com orgulho! Falam da seleção com comoção. Nunca gostaram tanto de futebol como agora. Se, por acaso, a Copa tivesse sido um projeto do PSDB, esses petistas seriam os maiores opositores ao evento e estariam nas ruas acusando os tucanos de desviar dinheiro para projetos desportivos megalômanos enquanto deixam os serviços básicos sucateados. É que só o PT pode! E consideram a Copa do Mundo uma genialidade de Lula, quando os países mais ricos se afastaram oportunamente desses megaeventos (quando a crise econômica deu as caras) e os relegaram aos ingênuos com manias de grandeza (depois do Brasil será a vez da Rússia e do Catar, saindo totalmente da rota tradicional). A Copa do Mundo sofreu o mesmo fenômeno das fábricas: foi deslocada para países com governos mais corruptos e direitos laborais mais flexíveis.

E quando criticam a bancada evangélica? Sim, aquela bancada asquerosa, nojenta, execrável e repugnante formada por mentes teocráticas e totalitárias. Não estou sendo irônico! Considero-os mesmo isto tudo. Os evangélicos envolvidos na política são uma das maiores ameaças à sociedade brasileira. Mas esses tais petistas criticam-na pelo seu fanatismo enquanto reproduzem exatamente o mesmo. A diferença é que em vez do culto a Jesus fazem culto a Lula, a Dilma e ao partidão. O partidão que tudo pode. O partidão que está acima da lei, da moral, da ética, da verdade e do questionamento.

O que dizer dessa gente? Onde está o seu caráter quando mentem com orgulho, quando se negam ao debate polido, quando rejeitam arrogantemente a autocrítica, quando adotam a postura daqueles que eles próprios criticam para se armarem no embate político, quando varrem para debaixo do tapete todos os problemas internos das suas fileiras, quando se limitam aos ataques ad hominem, às falácias e às conclusões superficiais repletas de lugar comum e clichê? Onde está o caráter de quem atropela o bom senso e simplesmente ignora os avisos de que está alimentando equívocos ou inverdades? Onde está o caráter dos que colocam o partido acima da concertação social e dos interesses do país?

Quando eu assumi uma postura mais racional e menos emocional na abordagem política, algo me veio à tona como sendo da mais elevada importância: a autocrítica. Sem autocrítica dificilmente encontramos um caráter saudável. Sem autocrítica, ideologias, partidos ou indivíduos não evoluem e não criam discernimento. A autocrítica é o que falta a esses petistas para recuperarem o caráter perdido. Se é que alguma vez o tiveram.


Ideologia ou partido não define caráter. Esta é uma das maiores lições da política. A outra, a ser aprendida por todos, é desenvolvermos um compromisso íntimo connosco próprios. Esse compromisso passa, inevitavelmente, pela autocrítica. Quem tiver coragem de fazê-la terá o meu respeito por mais distante que esteja de mim ideologicamente. E os meus "camaradas" que não a fizeram dificilmente terão a minha confiança ou serão levados a sério. 

Wednesday, February 26, 2014

A guerra suja da Syngenta contra o cientista Tyrone Hayes

por Heloisa Villela, de Nova York


O trabalho de pesquisa do cientista Tyrone Hayes mais parece um roteiro pronto para um diretor como Martin Scorsese.

A jornalista Rachel Aviv, da revista New Yorker, contou a saga de Hayes em nome da Ciência.

Uma pesquisa que bateu de frente com a Syngenta, a gigante suíça que fabrica pesticidas e vende sementes.

Em 1998 Tyrone Hayes já trabalhava no laboratório de biologia da Universidade da Califórnia em Berkeley quando foi convidado, pela Syngenta, para fazer uma pesquisa a respeito do herbicida atrazina, fabricado pela Syngenta. Hayes topou. Ele tinha trinta e um anos e já havia publicado vários trabalhos sobre o sistema endocrinológico dos anfíbios.

Os dois lados, com certeza, se arrependeram da parceria. Hayes descobriu que o atrazina atrapalhava, ou até impedia o desenvolvimento sexual dos sapos. A empresa não gostou do resultado, tentou impedir a publicação do estudo, tentou comprar os dados para mantê-los em segredo e as relações da empresa com o cientista foram rompidas, definitivamente, no ano 2000.

Mas Hayes não é do tipo que trabalha apenas pelo dinheiro. O que ele percebeu na pesquisa atiçou a curiosidade do cientista e ele continuou estudando os efeitos do atrazina sobre os anfíbios por conta própria.

O artigo de dez páginas da revista New Yorker conta como a empresa estruturou e levou a cabo uma ampla campanha de difamação de Hayes com o objetivo de destruir a reputação do cientista.

Estudou todos os aspectos profissionais e pessoais da vida dele para melhor explorar qualquer ponto fraco. Lembra demais a descrição de táticas descritas em detalhes pelo jornalista Rubens Valente no livro Operação Banqueiro.

Como já se desconfiava por aqui, as grandes empresas farmacêuticas e do agronegócio contratam cientistas e pesquisadores para que repitam informações que interessam às empresas. E muitos se prestam, sem pudor, a esse papel.

Pior: o artigo da New Yorker relata as manobras adotadas pela empresa para comprar, também, o apoio dos responsáveis pela aprovação de drogas no mercado norte-americano.

Os riscos que o herbicida atrazina oferece à saúde foram considerados sérios o suficiente para que o produto fosse banido na Europa. Nos Estados Unidos, continua sendo usado em cerca de metade da produção de milho do país.

No Brasil, também é aplicado à vontade nas plantações.

A perseguição a Tyrone Hayes foi tão intensa que ele passou a ser visto, pelos colegas, como um paranoico. Achava que tinha a conta de e-mail monitorada, que era perseguido, que não podia fazer palestras sem a presença de agentes da Syngenta que tentavam intimidá-lo e criar dúvidas a respeito das conclusões que ele apresentava.

Para se prevenir, ele passou a copiar os dados da pesquisa e enviar para a casa dos pais. Usou o e-mail como forma de confundir o adversário, com a ajuda dos alunos que trabalhavam no laboratório com ele. Recentemente, ficou provado que Hayes não era nada paranoico e que a conspiração existia de fato.

Um dos únicos biólogos afro-americanos de destaque do país, Tyrone Hayes era considerado um dos melhores professores de Berkeley e uma das grandes promessas do meio acadêmico e científico.

Ao longo dos últimos 14 anos de guerra aberta contra a Syngenta, ele acabou perdendo o laboratório em Berkeley. Mas de certa forma, foi vingado.

A Syngenta foi processada em uma ação coletiva por 23 municípios do meio-oeste dos Estados Unidos. Eles acusaram a empresa de esconder o perigos reais do atrazina para a saúde.

Por conta do processo, jornalistas norte-americanos tiveram acesso a documentos internos, memorandos e e-mails da empresa. O trabalho de Tyrone Hayes foi a base científica usada pelos advogados dos municípios.

Desde que passou a se dedicar ao estudo dos efeitos do atrazina sobre animais e até sobre humanos, Hayes angariou seguidores.

Outros cientistas seguiram a mesma linha e ampliaram as descobertas do pioneiro na área. E hoje já existem resultados que falam em defeitos de nascimento em humanos. Enquanto os pesquisadores acumularam dados contra o herbicida, a empresa se ocupou em colher informações sobre Hayes.

Em entrevista ao programa DemocracyNow! da jornalista Amy Goodman, Tyrone Hayes contou que as ameaças não paravam na esfera científica.

Ele disse que um representante da empresa o abordou antes de uma palestra e sussurrou que ele podia ser linchado, que ía mandar uns rapazes para mostrar a Hayes como é ser gay e chegaram até a ameaçar a segurança da mulher e da filha dele.

Enquanto isso, vários trabalhos foram apresentados à EPA (Agência de Proteção Ambiental) a respeito dos perigos do atrazina para a saúde e da contaminação do solo e da água nos locais onde ele é usado.

Dados científicos que as autoridades norte-americanas refutaram duas vezes: mantiveram a licença do produto, sem restrições.

Depois também veio à tona que alguns membros do comitê da EPA, que tomou a decisão favorável ao atrazina, tinham relações com a Syngenta.

Este ano, o herbicida, o segundo mais usado nos Estados Unidos, será avaliado novamente. Quem sabe qual será o resultado da análise desta vez…


PS do Viomundo: A pesquisa do cientista demonstrou que o herbicida provoca a mudança de sexo em sapos; na excelente entrevista que deu ao DemocracyNow!, ele estranha que os conglomerados produzam tanto substâncias cancerígenas quanto contra o câncer. Por que $erá?

R.I.P. - Paco de Lucía

A música perdeu muitos acordes com a morte do grande mestre da guitarra clássica e do Flamenco.

                                   Photo Credit: Martyn Strange

Tuesday, February 25, 2014

Vandalismo

Têm falado muito sobre vandalismo no Brasil. 

Vandalismo é o que vemos no video abaixo. Todo o resto é ruído jornalístico.

O nome do criminoso é Roberto Cláudio, prefeito de Fortaleza e médico-sanitarista com PhD em saúde pública pela Universidade do Arizona, nos EUA.

Eu diria que seu PhD é mais é HIGIENISMO SOCIAL e EUGENIA.