Wednesday, February 26, 2014

A guerra suja da Syngenta contra o cientista Tyrone Hayes

por Heloisa Villela, de Nova York


O trabalho de pesquisa do cientista Tyrone Hayes mais parece um roteiro pronto para um diretor como Martin Scorsese.

A jornalista Rachel Aviv, da revista New Yorker, contou a saga de Hayes em nome da Ciência.

Uma pesquisa que bateu de frente com a Syngenta, a gigante suíça que fabrica pesticidas e vende sementes.

Em 1998 Tyrone Hayes já trabalhava no laboratório de biologia da Universidade da Califórnia em Berkeley quando foi convidado, pela Syngenta, para fazer uma pesquisa a respeito do herbicida atrazina, fabricado pela Syngenta. Hayes topou. Ele tinha trinta e um anos e já havia publicado vários trabalhos sobre o sistema endocrinológico dos anfíbios.

Os dois lados, com certeza, se arrependeram da parceria. Hayes descobriu que o atrazina atrapalhava, ou até impedia o desenvolvimento sexual dos sapos. A empresa não gostou do resultado, tentou impedir a publicação do estudo, tentou comprar os dados para mantê-los em segredo e as relações da empresa com o cientista foram rompidas, definitivamente, no ano 2000.

Mas Hayes não é do tipo que trabalha apenas pelo dinheiro. O que ele percebeu na pesquisa atiçou a curiosidade do cientista e ele continuou estudando os efeitos do atrazina sobre os anfíbios por conta própria.

O artigo de dez páginas da revista New Yorker conta como a empresa estruturou e levou a cabo uma ampla campanha de difamação de Hayes com o objetivo de destruir a reputação do cientista.

Estudou todos os aspectos profissionais e pessoais da vida dele para melhor explorar qualquer ponto fraco. Lembra demais a descrição de táticas descritas em detalhes pelo jornalista Rubens Valente no livro Operação Banqueiro.

Como já se desconfiava por aqui, as grandes empresas farmacêuticas e do agronegócio contratam cientistas e pesquisadores para que repitam informações que interessam às empresas. E muitos se prestam, sem pudor, a esse papel.

Pior: o artigo da New Yorker relata as manobras adotadas pela empresa para comprar, também, o apoio dos responsáveis pela aprovação de drogas no mercado norte-americano.

Os riscos que o herbicida atrazina oferece à saúde foram considerados sérios o suficiente para que o produto fosse banido na Europa. Nos Estados Unidos, continua sendo usado em cerca de metade da produção de milho do país.

No Brasil, também é aplicado à vontade nas plantações.

A perseguição a Tyrone Hayes foi tão intensa que ele passou a ser visto, pelos colegas, como um paranoico. Achava que tinha a conta de e-mail monitorada, que era perseguido, que não podia fazer palestras sem a presença de agentes da Syngenta que tentavam intimidá-lo e criar dúvidas a respeito das conclusões que ele apresentava.

Para se prevenir, ele passou a copiar os dados da pesquisa e enviar para a casa dos pais. Usou o e-mail como forma de confundir o adversário, com a ajuda dos alunos que trabalhavam no laboratório com ele. Recentemente, ficou provado que Hayes não era nada paranoico e que a conspiração existia de fato.

Um dos únicos biólogos afro-americanos de destaque do país, Tyrone Hayes era considerado um dos melhores professores de Berkeley e uma das grandes promessas do meio acadêmico e científico.

Ao longo dos últimos 14 anos de guerra aberta contra a Syngenta, ele acabou perdendo o laboratório em Berkeley. Mas de certa forma, foi vingado.

A Syngenta foi processada em uma ação coletiva por 23 municípios do meio-oeste dos Estados Unidos. Eles acusaram a empresa de esconder o perigos reais do atrazina para a saúde.

Por conta do processo, jornalistas norte-americanos tiveram acesso a documentos internos, memorandos e e-mails da empresa. O trabalho de Tyrone Hayes foi a base científica usada pelos advogados dos municípios.

Desde que passou a se dedicar ao estudo dos efeitos do atrazina sobre animais e até sobre humanos, Hayes angariou seguidores.

Outros cientistas seguiram a mesma linha e ampliaram as descobertas do pioneiro na área. E hoje já existem resultados que falam em defeitos de nascimento em humanos. Enquanto os pesquisadores acumularam dados contra o herbicida, a empresa se ocupou em colher informações sobre Hayes.

Em entrevista ao programa DemocracyNow! da jornalista Amy Goodman, Tyrone Hayes contou que as ameaças não paravam na esfera científica.

Ele disse que um representante da empresa o abordou antes de uma palestra e sussurrou que ele podia ser linchado, que ía mandar uns rapazes para mostrar a Hayes como é ser gay e chegaram até a ameaçar a segurança da mulher e da filha dele.

Enquanto isso, vários trabalhos foram apresentados à EPA (Agência de Proteção Ambiental) a respeito dos perigos do atrazina para a saúde e da contaminação do solo e da água nos locais onde ele é usado.

Dados científicos que as autoridades norte-americanas refutaram duas vezes: mantiveram a licença do produto, sem restrições.

Depois também veio à tona que alguns membros do comitê da EPA, que tomou a decisão favorável ao atrazina, tinham relações com a Syngenta.

Este ano, o herbicida, o segundo mais usado nos Estados Unidos, será avaliado novamente. Quem sabe qual será o resultado da análise desta vez…


PS do Viomundo: A pesquisa do cientista demonstrou que o herbicida provoca a mudança de sexo em sapos; na excelente entrevista que deu ao DemocracyNow!, ele estranha que os conglomerados produzam tanto substâncias cancerígenas quanto contra o câncer. Por que $erá?

R.I.P. - Paco de Lucía

A música perdeu muitos acordes com a morte do grande mestre da guitarra clássica e do Flamenco.

                                   Photo Credit: Martyn Strange

Tuesday, February 25, 2014

Vandalismo

Têm falado muito sobre vandalismo no Brasil. 

Vandalismo é o que vemos no video abaixo. Todo o resto é ruído jornalístico.

O nome do criminoso é Roberto Cláudio, prefeito de Fortaleza e médico-sanitarista com PhD em saúde pública pela Universidade do Arizona, nos EUA.

Eu diria que seu PhD é mais é HIGIENISMO SOCIAL e EUGENIA.





Sunday, February 23, 2014

Ucrânia: o palco geopolítico.


Sobre os justiceiros


“Num mundo que prefere a segurança à justiça, há cada vez mais gente que aplaude o sacrifício da justiça no altar da segurança. Nas ruas das cidades são celebradas as cerimônias. Cada vez que um delinqüente cai varado de balas, a sociedade sente um alívio na doença que a atormenta. A morte de cada malvivente surte efeitos farmacêuticos sobre os bem-viventes. A palavra farmácia vem de phármakos, o nome que os gregos davam às vítimas humanas nos sacrifícios oferecidos aos deuses nos tempos de crise.”

Eduardo Galeano

Thursday, February 20, 2014

A velocidade supersônica da verdade...e da mentira.

Há vinte anos atrás, toda a informação que a sociedade consumia estava condicionada às peneiras da grande mídia tradicional: um punhado de canais televisivos, emissoras de rádio e jornais e revistas de grande circulação. Todos esses veículos eram (e ainda são) controlados por um número muito limitado de grupos empresariais diretamente interessados no teor das notícias. Desde então, e sobretudo a partir da virada do milênio, foi surgindo um novo meio que acabaria por revolucionar toda a comunicação das sociedades tecnológicas: a Internet. No entanto, o potencial, digamos, libertador desse novo veículo foi rapidamente percebido pelos grandes grupos das telecomunicações, que passaram a utilizá-lo como uma mera extensão dos veículos tradicionais. Ainda assim, foi possível enfraquecer os grandes oligopólios da mídia e criar alternativas à veiculação de notícias padronizadas e formatadas. Um pouco por todos os lados, e acompanhando determinados ativismos que necessitavam criar seus próprios meios de difusão, surgiram infinidades de sítios informativos, inicialmente em forma das páginas (sites) e mais recentemente em múltiplos formatos, como os jornais online, os canais televisivos do Youtube e os grupos das redes sociais. A informação descentralizou-se, pelo menos para quem estava atento, porque os grandes grupos continuaram dominando a maior parte da informação e a televisão continuou sendo a principal janela para o mundo da maioria da população.

A descentralização da mídia e a profusão de veículos alternativos foram grandes vitórias para os que sempre se embateram contra os oligopólios do setor e exigiram a sua democratização, e apesar das vitórias em termos materiais terem sido pequenas, o fato é que as alternativas aos grandes grupos reforçaram-se ao ponto de não apenas servirem como veículos de informação paralela, mas também como sistemas de vigilância às potenciais mentiras e manipulações da grande imprensa. E o que inicialmente se restringia a certos ativismos políticos e grupos ideológicos fora do mainstream foi se espalhando e se tornando uma realidade a ser levada em conta.

Hoje, qualquer pessoa com acesso à Internet e com algum discernimento em relação aos diversos interesses que regem a sociedade pode estruturar suas opiniões com base na compreensão de diferentes pontos de vista. Provavelmente, a maior profusão de informação teve lugar no campo político e ideológico e os embates permaneceram ríspidos, mas muito mais justos, porque a disparidade dos meios disponíveis diminuiu. Há vinte anos, no Brasil, a totalidade dos meios de comunicação estava nas mãos de setores conservadores (incluindo a Igreja Católica e a Protestante), da direita política e de grupos empresariais. Contava-se nos dedos o pequeno número de publicações ligadas, sobretudo, a movimentos sociais de esquerda. A tiragem dessas publicações era insuficiente e tinha dificuldades até para abranger os seus próprios contingentes. Atualmente, a grande imprensa continua nas mesmas mãos, mas a Internet permitiu uma difusão muito maior das ideias tradicionalmente marginalizadas e elas se fazem ouvir.

O grande auge do poder da imprensa independente e alternativa, que está acontecendo neste momento, surgiu durante as chamadas "Jornadas de Junho" com as gigantescas manifestações por todo o Brasil. A grande mídia fez a sua tradicional cobertura e foi claramente ridicularizada pela mídia ativista, que expôs todas as mentiras e manipulações que há vinte anos não eram nitidamente detectadas. O poder das imagens era absoluto nos anos noventa. Ninguém se punha a questioná-las. Uma imagem era uma prova por excelência. Hoje, graças à imprensa alternativa, sabemos muito bem que as imagens podem ser perfeitamente adaptadas a uma certa retórica e uma certa linha editorial. E também sabemos que qualquer pessoa com o mínimo conhecimento de softwares de audiovisuais pode fabricar provas das suas próprias versões da realidade.

Mas nem tudo pode ser comemorado. A política e as divergências ideológicas são poderosas cargas emocionais e ninguém está alheio a elas. Se por um lado os novos veículos de informação serviram para desmentir os tradicionais e equilibrar as forças, por outro lado eles também estão sendo utilizados para a difusão de mentiras e de montagens segundo certas conveniências. E ninguém escapa a isto. Ninguém! Todos nós, que participamos de alguma forma em debates e dinamizamos os nossos próprios canais informativos, somos culpados e ajudamos a tornar a mentira no maior produto da informação supersônica, ao lado da verdade - ambas estão misturadas e é preciso saber discernir para identificá-las sem confundi-las. A maioria das pessoas (sobretudo quem possui convicções ideológicas mais profundas) está absolutamente convencida de que a nobreza das suas ideias justifica a fabricação de mentiras contra os opositores, representantes invariáveis de tudo o que é mau. A verdade não é nada perante a necessidade de impor uma ideia a qualquer custo, e todos os lados dos embates políticos se tornaram experts em mentiras, difamações e acusações superficiais. A ética ficou remetida aos bobos, aos ingênuos, aos "reformistas" e traidores, até.

Mas a mentira não é o único problema. Tão grave quanto ela é a desonestidade intelectual estampada em linhas argumentativas e retóricas que estraçalham os limites da coerência e se alimentam na ignorância e incapacidade de discernimento de uma maioria que migrou para os novos meios de comunicação mas mantém a mesma postura de quando era telespectadora hipnotizada. Essa massa heterogênea está disposta a aceitar qualquer manchete e qualquer notícia como verdade absoluta desde que digam o que elas querem ouvir ou ler. Todos nós, em algum momento, já fomos vítimas ou responsáveis por alguma mentira. E todos nós também já fomos vítimas das nossas próprias mentiras e nos auto-enganamos em nome de certas conveniências (é muito difícil admitirmos um erro ou uma linha de raciocínio equivocada, somos demasiado orgulhosos). É altamente provável que voltemos a fazê-lo, mas é importante que nos livremos desta dinâmica para que sejamos honestos tanto quanto possível. Quando, num debate, acusamos um opositor de difundir mentiras, devemos simultaneamente analisar a nossa própria postura. Uma coisa é certa: quem mente ou difunde mentiras convenientes não tem moral nenhuma para criticar ou desmascarar oponentes que fazem o mesmo. Nenhuma! Não existe nenhuma ideologia suficientemente nobre para se sobrepor ao valor da verdade e da honestidade. As ideias tornam-se nobres à medida em que são construídas com base na verdade, e não o contrário.

Para exemplificar um pouco, basta utilizar algumas notícias veiculadas nas últimas semanas e que demonstram bem que existe uma guerra informativa baseada em antigas dicotomias. Quando a morte do cinegrafista Santiago Andrade foi confirmada, rapidamente se espalhou a notícia, nos meios alternativos, de que havia um elemento infiltrado com traços físicos que não correspondiam ao rapaz acusado e ela foi utilizada para a fabricação de inúmeras montagens por parte de quem dizia serem provas de algum rolo obscuro. Eu próprio cheguei a acreditar nisso num dado momento e precisei ouvir a voz da minha consciência para fazer uma investigação mais profunda e adequada antes de espalhar aquilo. Ficou então provado que havia dois rapazes com roupas semelhantes, mas que o sujeito acusado e preso era, de fato, o que portara o rojão responsável pela tragédia. 

Por outro lado, os protestos que ocorrem na Venezuela nos têm oferecido inúmeras imagens de pessoas brutalmente violentadas pela polícia. Tais imagens seriam verdadeiramente relevantes e reveladoras caso não fossem provenientes de outros protestos em vários países bem distantes da América do Sul. Há, sim, brutalidade policial na Venezuela de Maduro, como também há uma clara tentativa da parte da oposição controlada por Leopoldo López de perpetuar um golpe de estado. A própria oposição mais tradicional está assustada com a figura de López.

De Kiev em chamas surgiu um video com o apelo emotivo de uma bela moça ucraniana que, num inglês comovente, clama aos povos do mundo para que espalhem a mensagem e ajudem o povo ucraniano na luta pela liberdade e pela democracia. Não sei quem é a moça e não quero fazer associações precipitadas, mas seu discurso não pode ser digerido exclusivamente como se resumisse tudo o que se passa na Ucrânia. Ele é absolutamente superficial e esconde uma realidade muito mais complexa que envolve um conflito geopolítico entre EUA-União Europeia de um lado e a Rússia de outro, e as preocupações de ambos os lados são os seus acordos comerciais e a influência da região. Além disso, a vanguarda dos protestos em Kiev é controlada por grupos neonazistas, como o partido Svoboda e os simpatizantes de Stepan Bandera, o ucraniano que lutou por Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. Antes de difundirmos uma causa, precisamos estar minimamente informados sobre tudo o que a envolve.

Apesar de achar que podemos mitigar o problema da difusão (muitas vezes involuntária) de mentiras, é evidente que só será possível alcançar um certo sucesso, e mais importante do que exigir honestidade aos outros é assumirmos uma postura honesta e preocupada com a vasculha da verdade. Dentro do debate político dos meios alternativos de informação há os grupos que se propõem à intransigência e têm como único motivo de existência o combate histérico que não supera a superficialidade dos chavões e clichês. Esses grupos se sustentam na nobreza das suas ideias para assumirem a negação da racionalidade e não abrirão qualquer brecha ao desenvolvimento ético e responsável do debate político. Não estão interessados em exercícios argumentativos ou em ponderações equilibradas que construam opiniões coerentes. Limitar-se-ão à gritaria e à mera catarse. Perante esses, não resta mais nada que não o desprezo, porque não constituem oponentes ou aliados para quem procura desenvolver ideias. São fontes que jorram vácuo, digamos.

Exemplos disso são os fanáticos militantes do PT, por exemplo, que pegam em qualquer dado estatístico para esfregar na cara do mundo inteiro que seus políticos de predileção são infalíveis e absolutamente honestos. São os que ilibam os condenados pelo Mensalão apenas por uma questão de compatibilidade ideológica. Também são os que não dizem uma única palavra sobre os escândalos de corrupção da oposição enquanto difundem qualquer vírgula que represente uma crítica mínima ao PT. São os que chamam os manifestantes mascarados das ruas brasileiras de vândalos assassinos e que se derretem em elogios aos mascarados venezuelanos ou aos ucranianos. São os que endossam os protestos encarniçados no Brasil enquanto pedem aos berros que os que fazem o mesmo na Venezuela sejam espancados e presos pela polícia. 

Não sei se é uma impressão minha ou se é uma realidade, mas parece-me que o mundo (ou pelo menos o Ocidente) vai voltando à bipolarização da Guerra Fria e os debates se tornam cada vez mais limitados à velha dicotomia, ignorando a extrema complexidade que cada problema carrega. Nem todo esquerdista é bolivarianista, nem todo indivíduo nas ruas de Caracas é fascista, nem todo ucraniano odeia os russos, nem todos os russos acham que os ucranianos devem ser subalternos e nem todos aqueles que querem despregar a Ucrânia da Rússia são aliados da política externa dos EUA. 

Não estou tentando empurrar a discussão política a um centrismo neutro e esvaziado de ideologias, de forma alguma. Eu próprio me identifico com uma ideologia radical (no caso, para lá da esquerda), que é o anarquismo. Percebam que utilizo a palavra "radical" como significando a busca pela raiz das questões, não como sinônimo de extremismo. E por me identificar com o anarquismo não sou obrigado a concordar e ser conivente com as mentiras, manipulações e ilações superficiais ou resultantes de falácia ou falhas argumentativas que existem e são difundidas pelos meus próprios "companheiros". Aliás, nalgum momento seremos atingidos pelos estilhaços da nossa própria desonestidade, porque o seu fruto será a nossa arma em algum debate e os opositores poderão percebê-la e utilizarem-na contra nós, inclusive ridicularizando-nos. Por isso devemos ter todo o interesse em combater posturas destrutivas dentro dos nossos círculos. Quem inventa mentiras está induzindo os próprios companheiros ao erro. Limitar-se a um gueto ideológico causa cegueira e incentivar a cegueira é burrice, porque não eleva os debates a níveis verdadeiramente construtivos que possibilitem uma visão ampla e esclarecida dos fenômenos abordados. Mesmo com o advento dos meios alternativos de informação, é necessário aceder (com postura crítica) aos meios convencionais para que possamos compreender, enquadrar e esmiuçar os diferentes pontos de vista e procurar desconstruí-los com o constante exercício racional. Chavões e palavras de ordem servem para reforçar a disposição e dar ânimo, mas não servem como argumentos quando nos debruçamos sobre assuntos que exigem discernimento e reflexão coerente.

Vivemos numa época em que a velocidade das notícias é supersônica e diariamente somos confrontados com dezenas de assuntos. Essa velocidade nos permitiu o acesso amplo à informação, mas também nos tem impedido de pensar com cuidado e, sobretudo, com honestidade. O acesso aos meios de comunicação mais democratizados deve ser melhor utilizado. Temos a possibilidade de enriquecermos-nos intelectualmente e de termos uma visão equilibrada do mundo. Temos a possibilidade de não sermos manipulados e também de não manipularmos a ninguém, incluindo a nós próprios.

Isto não é um apelo à imparcialidade, afinal ela não existe. Somos, todos, parciais em algum grau. Mas é possível sermos parciais e ao mesmo tempo honestos, tolerantes e ponderados. É preciso ponderar, sim, e é preciso saber admitir erros.

Enquanto justificarmos todos os meios em nome das ideias, a nossa capacidade de amadurecimento intelectual continuará sendo destroçada pela velocidade supersônica da verdade e da mentira.

Tuesday, February 18, 2014

Editorial corrigido da Globo

O video montado pelo Rafucko chegou às 40 mil visualizações em 8 horas antes de ser excluído a pedido da Rede Globo com a alegação dos direitos de autor. Tão logo isso aconteceu, inúmeras pessoas que haviam feito download do video voltaram a publicá-lo no Youtube. Nele, Rafucko, de forma extremamente sexy, desmente os principais pontos do editorial cínico da emissora na voz de Willian Bonner. É de rir!


Monday, February 17, 2014

Há quem tenha medo que o medo acabe


Globo fazendo globice


Acabou a Baderna

ACABOU A BADERNA


por Gregório Duvivier


Encontraram o grande financiador do movimento. Já foi provado que membros do PSOL doaram 150 reais para se realizar uma ceia de Natal para mendigos e o dinheiro foi usado para comprar várias rabanadas. Como se sabe, poucas coisas são mais letais que uma rabanada na cara, especialmente se ela estiver dormida.

Muita gente já deve ter morrido a golpes de rabanada do PSOL. Isso porque o pessoal não declarou o panetone. Um panetone é uma arma branca! Ainda mais se for daqueles bem duros, da Visconti. Quando pega na testa, mata na hora. Mas não vai mais matar ninguém. A fonte secou!

Engraçado pensar que alguns acreditavam que o motivo da revolta de junho era a insatisfação popular. Finalmente ficou provado que não. O povo está muito feliz. Eduardo Paes já aumentou a passagem de novo. E não vai dar em nada. O povo não tem problema nenhum com aumento de passagem. O povo não tem problema nenhum com nada. Quem inventa problema é a esquerda caviar. O povo está feliz. Sempre esteve.

Detalhe: ao exumarem o corpo de Josef Stálin, descobriu-se que em sua farda, no bolso esquerdo, havia uma estrela na qual podia-se ler as impressões digitais de Iran Kruschewsky, assessor de Stálin, cuja filha primogênita, Anna Nicolaievna, foi amante de Miriam Pletskaya, embaixatriz da extinta Tchecoslováquia cujo filho, Benjamin Berndorff, tem as mesmas iniciais de Bruno Bianchi, ortopedista brasileiro nascido em 1967, mesmo ano em que nasceu o deputado Marcelo Freixo. Procurado, o deputado negou qualquer envolvimento com o regime stalinista.

"Não acho que o ano em que eu nasci seja um dado relevante para tecer esse tipo de conexão estapafúrdia", afirmou o deputado, saindo pela tangente. A palavra "estapafúrdia", no entanto, já havia sido usada por José Sapir, meu cunhado, para designar a roupa que uma senhora usava em Copacabana, bairro do Rio de Janeiro, cidade onde nasceu Oscar Niemeyer, stalinista confesso. Ou seja...

A legislação vai mudar, graças a Deus (e à Dilma). Não vamos mais tolerar baderna. A ex-guerrilheira, quem diria, vai baixar o AI-5. O Brasil finalmente está virando um país sério: bandido preso no poste, Polícia Militar ameaçando Porta dos Fundos, leis antiterrorismo. O caminho se abriu. Este é o ano em que Bolsonaro vai assumir a presidência da Comissão de Direitos Humanos. Chegou o momento, Capitão! Em abril, nossa revolução faz 50 anos.

Tuesday, February 11, 2014

Black Bloc: o bode expiatório

Atenção: a primeira parte do texto foi escrita no dia 11 de Fevereiro. Em seguida, há duas atualizações, uma do dia 12 e outra do dia 13, ambas devidamente indicadas.

Um cinegrafista foi atingido por um rojão durante confrontos entre a polícia e manifestantes no Rio de Janeiro. Infelizmente, ele morreu. Agora sua morte está sendo instrumentalizada pela classe política - sob forte pressão da mídia - para que se aprove a Lei Antiterrorismo, que até cego vê que será uma forma de tentar impedir protestos durante a Copa do Mundo.

É urgente que jornalistas possam exercer com segurança seu trabalho, assim como manifestantes possam protestar sem sofrerem com a brutalidade policial. E ela é absolutamente evidente!


Mas como garantir a segurança de um jornalista que se mete no meio de confrontos? É indispensável que os jornalistas cheguem o mais próximo possível dos acontecimentos, mas eles próprios devem medir o perigo. Há uma certa diferença entre ser abatido propositadamente e ser vítima de um acidente altamente provável num cenário de confrontos. Dizer isso não é relativizar a morte do cinegrafista de forma alguma. O homem - ainda não identificado - que lançou o rojão não o deveria ter feito, assim como a polícia não deveria agir como tem agido. Não dá para defender o responsável pelo disparo do artefato, seja ele um manifestante, um adepto da tática Black Bloc, um mero transeunte infiltrado ou um policial. É irresponsável soltar um rojão no meio de pessoas e por mais que o objetivo não tivesse sido atingir alguém em específico, fazê-lo no cenário em que foi feito é absolutamente condenável. Atingiu o cinegrafista, mas poderia ter atingido outro manifestante, por exemplo. Dá para comparar o ocorrido com o caso da jornalista ferida no olho no ano passado. Ela foi atingida pela polícia que disparou balas de borracha claramente em direção aos manifestantes. Tendo ou não um alvo, é de se condenar que se disparem projéteis perigosos no meio de grupos de pessoas. O responsável pelo ferimento à jornalista não foi punido e a polícia continuou agindo com a mesma truculência. No caso do cinegrafista, sobrará para um rapaz que, até onde se sabe, apenas portava o rojão. Deverá ser indiciado? E os policiais que diariamente acedem a manifestações sem identificação? Quem terá sido o verdadeiro autor do disparo? Antes de falar em manifestantes ou em Black Bloc, deve-se apurar isto. E a mídia, que fala em assassinato, deveria ter a decência de recriar toda a situação num cenário de confronto face ao qual o cinegrafista arriscou-se ao pôr-se dentro dele. Ele não tem culpa; estava fazendo o seu nobre trabalho. Tam
pouco foi assassinado cruelmente como agora vociferam. E o que dizer da Band, empresa para a qual ele trabalhava? Não terá ela nenhuma culpa? Quem acompanha as manifestações desde Junho passado sabe que elas têm sido sempre tensas e recheadas de confrontos. Não se envia alguém para trabalhar dentro delas sem proteção.

É vergonhoso como esses abutres da comunicação em massa foram rapidamente caçar um bode expiatório dentro dos grupos mais ativos que protestam pelo Brasil, virando a opinião pública - sempre tão facilmente maleável - contra eles. Há alguns dias fizeram o mesmo com o caso do fusca incendiado, já desmentido com a comprovação através de videos de que ninguém ateou fogo a ele e o seu motorista foi quem avançou sobre o colchão em chamas. Agora estão noticiando a morte do cinegrafista como assassinato e culpabilizando o Black Bloc, promovendo uma verdadeira caça às bruxas. Ora, até então, na esmagadora maioria dos casos em que jornalistas ou cinegrafistas foram vitimados por algum tipo de violência, a polícia sempre foi comprovadamente culpada e a mídia sempre foi demasiado branda nas críticas à generalidade da ação policial (para a mídia há uma enorme diferença entre violência policial contra jornalistas e contra manifestantes). 

A morte do cinegrafista - que é tão lamentável e triste quanto a morte dos manifestantes que já pereceram desde que as manifestações surgiram - foi um acidente (ele estava no meio dos confrontos) que poderia ter sido causado tanto pelos manifestantes quanto pela polícia e poderia ter vitimado qualquer outra pessoa, incluindo manifestantes ou policiais. Haveria festa nos confins da Internet caso o vitimado fosse um manifestante, a direita não diria absolutamente NADA e a mídia remeteria o caso ao rodapé. O cinegrafista não foi um alvo definido, o que, diga-se, não diminui o peso da tragédia. No máximo, acusa-se de homicídio involuntário ao responsável pelo artefato usado, não a totalidade dos manifestantes, como tentam fazer a mídia, o governo petista e a asquerosa direita de plantão na Internet, que agora vomita seu ódio contra os manifestantes, mas que quando sentiu que poderia fazer parte dos protestos e desviar o foco todo para o governo federal, não hesitou, inclusive promovendo perseguição violenta a quem erguesse bandeiras vermelhas. 

Desde o primeiro dia dos protestos, em Junho de 2013, a polícia brasileira sempre procurou o confronto, sempre provocou e sempre foi truculenta e excessiva. Ela é responsável pela tensão criada a cada manifestação de rua. Essas manifestações nunca pertenceram à direita e nem ouviram as diretrizes da mídia. Elas existem diariamente porque há pessoas e grupos ativos envolvidos na organização de atos enquanto os reacionários vomitam sua fúria na Internet. Essa gentinha repugnante, retrato fiel do Brasil das gentes "de bem" e dos "bons costumes", aliada à mídia controlada por um pequeno punhado de grupos financeiros, irá sempre tentar jogar o povo contra os manifestantes, e na maior parte das vezes irá conseguir. Mas é preciso lembrar que há a opinião pública da Internet e há a opinião pública das pessoas nas ruas, e elas não são tão similares como nos fazem crer. É interessa ver como o anonimato da Internet torna as pessoas ainda mais embrutecidas. 99% do discurso encontrado no rescaldo das notícias não passa de histeria e simplismo grosseiro, sempre acompanhado de fúria pseudo-justiceira e de uma gigantesca lacuna onde deveria haver capacidade de discernimento. Trava-se uma implacável guerra ideológica nas entrelinhas da informação e os vencedores são sempre os mais bestialmente desprovidos de escrúpulos.

Sobre o Black Bloc, os mascarados, essa gente agora demonizada pelos idiotas úteis, só digo uma coisa: têm cada vez mais o meu apoio! O preço do transporte voltou a aumentar e os que se utilizam dessa tática são uns dos poucos que estão na rua, enquanto as gentes "de bem" se reduzem à pequenez dos seus comentários no mundo virtual.

Atualização (12/02/2014)


E agora começam a chover textos como este, que servem apenas para saciar o apetite dos famintos por respostas imediatas simplistas. Em primeiro lugar, comparar as manifestações (mesmo as mais agressivas) à violência psicopata é de uma desonestidade intelectual aberrante. Manifestações violentas (o certo é chamar de confrontos entre polícia e manifestantes, geralmente provocados pelos primeiros) acontecem em todos os países, incluindo os mais avançados e calmos do mundo. Elas nunca foram característica especial dos brasileiros. Em segundo lugar, a imprensa brasileira assume essa carapaça judicial e faz seus julgamentos, mas não há nenhuma prova que ligue o autor do disparo a um grupo em concreto, nomeadamente ao Black Bloc, QUE NÃO É UM GRUPO (é incrível ter de repetir isso todas as vezes que o termo é mencionado). Em terceiro lugar, os jornalistas da grande imprensa corporativa estão conseguindo, com essa pressão histérica, levar a classe política (que gosta da ideia) a implantar a Lei Antiterrorista, que irá enquadrar protestos de rua e poderá significar 30 anos de cadeia para manifestantes sob alguma alegação. As elites estão conseguindo instrumentalizar ao máximo a morte do cinegrafista.


Lembram-se do PT, aquele partido da estrelinha vermelha? Esqueçam! O símbolo do PT deveria ser um tucano. Essa corja de burocratas já não sabe o que são movimentos sociais porque eles são-lhe inconvenientes. E os simpatizantes do PT parecem baratas tontas, vivem oscilando entre discursos revolucionários de sinceridade duvidosa e discursos agressivamente reacionários que causam inveja à própria extrema-direita. São uns oportunistas que não têm nenhum respeito pelo cinegrafista morto e utilizam-no como instrumento para políticas repressivas. A tragédia pessoal do cinegrafista está sendo usada para acelerar a aplicação da Lei Antiterrorista para enquadrar manifestantes.


As últimas notícias sobre o caso tornam todo o cenário absolutamente fétido. As pessoas acreditam em tudo o que se publica desde que vá de encontro aos seus interesses (político-partidários). Agora duvido muito que esse rapaz preso (um camaleão que de branco passou a negro) alguma vez fez parte de algum grupo ou teve alguma relação com quem adota a tática Black Bloc. Já estão dizendo que o Black Bloc recebe dinheiro de partidos e até que financia tráfico de drogas. Começa a me cheirar a montagem, afinal o bode expiatório é perfeito. Até há uns tempos atrás o Black Bloc contava com a simpatia da maioria da população segundo as pesquisas da própria imprensa corporativa e a tensão só ia aumentando conforme nos aproximamos da Copa do Mundo. Era preciso, de alguma forma, travar a crescente adesão aos protestos mais radicalizados. Pouquíssima gente está interessada na verdade 
e durante esses dias os meios de comunicação em massa serão uma versão coletiva da Rachel Sheherazade e dos Datenas da vida. Cobrarão que se traga a público culpados por crimes cujos julgamentos já foram feitos por eles. O objetivo não é fazer justiça, mas calar as vozes das ruas e cortar o elo entre elas e a opinião pública, os consumidores de (des)informação.


Atualização (13/02/2014)

Depois de assistir a vários videos publicados na Internet, algumas suposições devem ser descartadas em abono da verdade. Ontem, pelas informações analisadas até então, eu estava quase convencido de que o sujeito preso ou era o que se chama de P2, ou seja, um infiltrado da polícia, ou estava sendo acusado por um crime cometido por uma outra pessoa que poderia ser um P2. Mas, hoje, ao analisar com cuidado várias fotos e videos, parece-me evidente que o rapaz preso não é o mesmo tipo que as imagens mostram falando com a polícia. Ambos têm camisa cinza suada e calças jeans claras, mas alguns detalhes comprovam tratar-se de duas pessoas diferentes. O rapaz preso é pardo e usa sapatos bege. O indivíduo de capuz preto visto recebendo o presumível rojão, que parece mesmo ser o que foi preso, de nome Caio Silva de Souza, tem camisa cinza suada, calças jeans claras e sapatos bege. Também há algumas fotos que o mostram, de frente, segurando um lenço ou camisa preta numa das mãos. Já o outro rapaz, branco, com o perfil semelhante ao do ator Wagner Moura, tem a pele nitidamente mais clara e usa sapatos pretos. Se é P2 ou não, não se sabe até então. Nos videos ele é visto no meio dos manifestantes ou falando com a polícia (junto com outros manifestantes) como se informasse do ocorrido com o cinegrafista. Nenhum video mostra o rojão sendo disparado e ainda há várias perguntas que precisam de resposta. A primeira delas, imprescindível para encerrar as dúvidas, tem a ver com a direção seguida pelo artefato. Pouco tempo após o ocorrido, alguns jornalistas da grande mídia que estavam no local afirmaram ao vivo que ele teria sido disparado pela polícia. As imagens não são muito claras nesse sentido e mesmo após analisá-las várias vezes, fiquei na dúvida. Há uma imagem que sugere que o disparo veio do lado da polícia, mas pode ser apenas um efeito enganador dos estilhaços do rojão. Noutras imagens, parece que o rojão atingiu o cinegrafista por trás vindo do lado dos manifestantes. O que se sabe é que tanto Caio como Fábio confessaram aquilo de que foram acusados, ou seja, o primeiro teria disparado o rojão dado pelo segundo. Não conheço a proveniência de nenhum dos dois e muito menos as suas ideias políticas e nem preciso conhecer por serem irrelevantes perante o ocorrido. Um rojão disparado irresponsavelmente no meio de uma manifestação atingiu e matou um cinegrafista e a atenuação das responsabilidades a serem assumidas só poderá vir da falta de intencionalidade e não das convicções ideológicas. Mas também é preciso dizer que nem Caio nem Fábio são assassinos como gritam telespectadores reproduzindo a grosseria desinformativa dos opinion makers. Não são criminosos cruéis, vagabundos pergisosos nem psicopatas. A morte de uma pessoa resultou de um acidente com um rojão. Pela lei, configura-se o crime, sim. Mas não foi intencional. Os rapazes não agiram com a intenção de matar ninguém nem de atentar contra a liberdade de imprensa. Isto quem faz muito bem é a polícia e é bom não esquecer que Santiago foi o primeiro jornalista morto - e não o primeiro vitimado -, mas não foi a primeira vítima mortal das manifestações e nenhum dos casos anteriores teve manifestantes como culpados. Com uma sociedade que despreza a coleta racional e coerente dos fatos e que berra por respostas simples imediatas, pipocam pseudo experts em psicologia e sociologia por todos os lados, e os jovens manifestantes, até então vistos como esperança para o futuro, são remetidos ao papel de manipulados e baderneiros sem causa por essa trupe fajuta.

Mas há outras perguntas pertinentes: por que o advogado que defende tanto a Caio como a Fábio é o mesmo? Por que ele tentou tão apressadamente ligar o deputado Marcelo Freixo aos acusados? Qual a ligação desse advogado com as milícias policiais do Rio de Janeiro? Por que ele sugeriu que os black blocs são financiados por partidos? Por que o Black Bloc enquanto tática (embora confundida sempre com grupo) se tornou tão rapidamente, sem comprovação, e apenas com o julgamento conveniente da mídia, o grande bode expiatório? Por que a polícia do Rio de Janeiro tem utilizado tantos P2 nas manifestações? De uma hora para outra, manifestantes que vinham tendo a simpatia da maior parte da população e que inclusive tinham se tornado heróis para os professores em luta do Rio passaram a ser os grandes vilões e culpados de todas as mais conspiratórias das acusações? Fala-se até em tráfico de drogas! A quem interessa virar o povo contra os manifestantes às portas da Copa do Mundo? Por que a mídia amplificou tanto um caso e ignorou tantos outros que também tiveram a morte de pessoas nas manifestações? Se o disparo tivesse sido feito pela polícia, todo esse alarido existiria? 

As últimas comprovações em relação aos autores do disparo e, portanto, do crime, não alteram em nada a minha opinião sobre a cobertura da mídia, sobre a postura da polícia e sobre a atuação dos black blocs. Aliás, talvez seja bom discorrer um pouco sobre essa tática que tem sido utilizada como bode expiatório de uma forma tão grotesca. A tática Black Bloc não é nova e nem surgiu no Brasil durante as manifestações de Junho de 2013. Ela não é uma consequência do estado de violência no qual o Brasil está afundado, como sugerem os formadores de opinião da grande mídia, e muito menos é financiada por partidos. Essas acusações que governistas e oposiçionistas fazem, uns empurrando os black blocs para os outros, não passam de politicagem e clubismo partidário. O Black Bloc é uma invenção europeia, nomeadamente alemã e, pelo que consta, surgiu com os anarquistas de Hamburgo, uma cidade conhecida em toda a Europa por ser um importante bastião de movimentos libertários e squats bem ativos e consequentes. A tática supria a necessidade não apenas da ação direta em protestos, mas da própria autodefesa. Por exemplo, quando a polícia tentava desalojar um squat, o black bloc era utilizado para resistir à investida e, obviamente, confrontos violentos se instauravam. A tática ganhou notoriedade mundial sobretudo com os grandes protestos anti-globalização, que tiveram seu ápice durante a reunião do G8 em Gênova em 2001 e que acabou em uma batalha campal gigantesca e resultou na morte do anarquista Carlo Giuliani, vitimado por um tiro na cabeça a sangue-frio disparado por um carabinieri no meio dos confrontos. Em Praga, no ano anterior, a batalha campal também foi muito dura e talvez a necessidade de organizar o black bloc com mais rigor tenha surgido na primeira das grandes manifestações em 1999 na cidade de Seattle - embora o início dos protestos contra o G8, o Banco Mundial, o FMI e a OMC remontem ao final dos anos 80 -, quando os manifestantes pacíficos foram brutalmente reprimidos por batalhões da polícia de choque. Desde então, o Black Bloc vinha sendo utilizado sobretudo na Europa e algumas imagens de protestos mais encarniçados chegavam ao Brasil e todos pareciam olhar para elas e dizer: "pois é, só aqui é que isso não acontece e o povo não faz nada contra essa corja de corruptos". Até que pequenos grupos anarquistas, politicamente engajados, deram a conhecer a tática aos grandes aglomerados que se transformaram em manifestações gigantescas por todo o Brasil. Os manifestantes logo se aperceberam das vantagens em adotar uma postura defensiva efetiva e preparada para a ação direta contra a polícia (talvez quem nunca participou de protestos não compreenda a necessidade de um contingente defensivo pronto para agir ofensivamente). E também perceberam a importância de romper com desfiles carnavalescos arrogantemente ignorados pelo poder político. Ao contrário do que ainda hoje acontece na Europa, a tática Black Bloc no Brasil não é utilizada apenas por anarquistas e dizer que todo black bloc é anarquista é engolir uma das desinformações da mídia. Ela começou a ser gerida de alguma forma por grupos anarquistas que eram os únicos, no começo das manifestações, que sabiam o que ela significava e ainda hoje tentam coordenar ações e ideias através das suas páginas nas redes sociais, mas a tática tem sido usada por vários grupos, ideológicos ou não, e tem sido sabotada por policiais infiltrados, como muitos videos publicados no Youtube comprovam. 

O resultado disso foram as grandes manifestações com confrontos violentos. Quando a polícia agredia, sofria agressão à altura. É claro que, dentre tanta gente com os nervos em chamas, haverá sempre os que se desequilibram e partem para ações com menos sentido, como quebrar e incendiar carros e lojas de cidadãos que nada têm a ver com as elites. Mas estamos falando de manifestações a sério, de revolta popular, e ela SEMPRE, em qualquer parte do globo, foi expressada em excessos, contradições e atos desesperados. Sempre! É isso que caracteriza a revolta popular. Alguém espera que a luta nas ruas seja feita por intelectualóides responsáveis? A revolta mais genuína é a revolta do povão oprimido economicamente. Esse povão forma uma massa heterogênea, confusa, sem grandes convicções ideológicas, sem discursos coerentes e profundos, mas com a revolta genuína de quem sente na pele a humilhação, e essa revolta é muito mais forte quando unificada e apontada para um alvo do que qualquer postulado ideológico intelectual. Claro que há causas e reivindicações, por mais esfumadas que algumas possam ser, e elas são quase sempre identificadas com o que se entende por lutas da esquerda por um motivo evidente: a direita representa o status e os privilégios. SEMPRE foi assim. A direita sempre negou as causas populares, sempre desprezou os sindicatos e os grupos desprovidos de teto ou terra. A direita sempre tentou se agarrar aos valores burgueses e às elites higienistas e nunca assumiu o protesto de rua como uma forma de luta. NUNCA! A direita sempre odiou movimentos sociais e protestos e é por tudo isso que as lutas sociais estão ao lado dos valores da esquerda, seja a do espectro político-partidário, seja a que foge a ele e que nem deve ser chamada de esquerda exatamente por não ser parte desse espectro. Ora, a direita que diz que as causas sociais estão sequestradas pela esquerda e que reivindicam espaço dentro delas é hipócrita e parece ignorar a própria história das ideias direitistas. A esquerda disseminou-se pelas causas sociais porque foi sempre quem deu ouvido a elas e quem tentou dar sentido organizativo ao sentimento de revolta. É ululante!

Dito isso, e no meio de tanta histeria, tanta desinformação vinda de TODOS os lados, tanta gritaria, tanto julgamento midiático e tanta incapacidade de discernir a conjuntura dos acontecimentos numa ordem social, política e econômica, eu sei bem de qual lado estou. Apesar de todas as contradições e de todos os excessos, eu estou ao lado de quem está na rua em revolta. Escrevo à distância, de um país europeu que está afundado numa crise gravíssima que tem concentrado riqueza nas elites e destruído o Welfare State e as conquistas sociais que só foram possíveis através da luta popular. Ao contrário do que tem ocorrido no Brasil, por aqui, em Portugal, as pessoas continuam adormecidas e embora todos estejam fartos de uma crise que tem enviado milhares de jovens por ano a procurar trabalho no exterior, não há materialização da revolta e o pão-e-circo continua gerindo bem as emoções populares e as desviando de comportamentos ativos "perigosos". A minha vontade é de estar no Brasil reforçando quem está nas ruas, seja mascarado ou não. A mídia tem poder para moldar o sentimento do povo e não me espantará se a partir de agora o teor da perseguição e criminalização dos movimentos sociais aumentar a um nível ainda mais agressivo. Quem está de alguma forma ligado às manifestações e às suas causas deve perceber que a luta não é apenas caminhando nas ruas, gritando palavras de ordem e resistindo à polícia, ela também é travada nas entrelinhas da informação e na gestão da compreensão da mesma, na capacidade de discernir, de compreender, de filtrar, de reconhecer manipulações emocionais. A grande mídia brasileira é um dos grandes inimigos das mobilizações sociais e deve ser combatida com o mesmo vigor com que se luta contra as medidas anti-sociais do governo. O jornalista morto, o pobre coitado que teve a infelicidade de ser atingido no meio dos confrontos, não é mártir da mídia nem do governo nem das "pessoas de bem". Ele é um mártir da própria família e de um país em profunda convulsão social que clama por justiça. Instrumentalizar a sua tragédia pessoal é repugnante, mas os inimigos da revolta popular, os que têm medo dela, o farão e expressarão o oportunismo tanto da direita higienista à espreita para abocanhar o poder político, como da esquerda governista burocratizada e convertida numa quadrilha reacionária viciada no poder. 

Por fim, eu gostaria de deixar um recado para Vanessa Andrade, a filha do cinegrafista Santiago: seja uma grande jornalista e honre o nome do seu pai. Desejo que a sua profissão possa ser exercida com mais respeito por parte das empresas de jornalismo e com mais segurança por parte da sociedade. Sobretudo, espero que você dignifique a profissão e atue fazendo a diferença positivamente, porque uma profissão tão importante e digna como essa não merece ser exercida por gente tão medíocre, desonesta e funcionalmente analfaburra como as que controlam os grandes grupos que a mantêm sequestrada.