Tuesday, February 11, 2014

Black Bloc: o bode expiatório

Atenção: a primeira parte do texto foi escrita no dia 11 de Fevereiro. Em seguida, há duas atualizações, uma do dia 12 e outra do dia 13, ambas devidamente indicadas.

Um cinegrafista foi atingido por um rojão durante confrontos entre a polícia e manifestantes no Rio de Janeiro. Infelizmente, ele morreu. Agora sua morte está sendo instrumentalizada pela classe política - sob forte pressão da mídia - para que se aprove a Lei Antiterrorismo, que até cego vê que será uma forma de tentar impedir protestos durante a Copa do Mundo.

É urgente que jornalistas possam exercer com segurança seu trabalho, assim como manifestantes possam protestar sem sofrerem com a brutalidade policial. E ela é absolutamente evidente!


Mas como garantir a segurança de um jornalista que se mete no meio de confrontos? É indispensável que os jornalistas cheguem o mais próximo possível dos acontecimentos, mas eles próprios devem medir o perigo. Há uma certa diferença entre ser abatido propositadamente e ser vítima de um acidente altamente provável num cenário de confrontos. Dizer isso não é relativizar a morte do cinegrafista de forma alguma. O homem - ainda não identificado - que lançou o rojão não o deveria ter feito, assim como a polícia não deveria agir como tem agido. Não dá para defender o responsável pelo disparo do artefato, seja ele um manifestante, um adepto da tática Black Bloc, um mero transeunte infiltrado ou um policial. É irresponsável soltar um rojão no meio de pessoas e por mais que o objetivo não tivesse sido atingir alguém em específico, fazê-lo no cenário em que foi feito é absolutamente condenável. Atingiu o cinegrafista, mas poderia ter atingido outro manifestante, por exemplo. Dá para comparar o ocorrido com o caso da jornalista ferida no olho no ano passado. Ela foi atingida pela polícia que disparou balas de borracha claramente em direção aos manifestantes. Tendo ou não um alvo, é de se condenar que se disparem projéteis perigosos no meio de grupos de pessoas. O responsável pelo ferimento à jornalista não foi punido e a polícia continuou agindo com a mesma truculência. No caso do cinegrafista, sobrará para um rapaz que, até onde se sabe, apenas portava o rojão. Deverá ser indiciado? E os policiais que diariamente acedem a manifestações sem identificação? Quem terá sido o verdadeiro autor do disparo? Antes de falar em manifestantes ou em Black Bloc, deve-se apurar isto. E a mídia, que fala em assassinato, deveria ter a decência de recriar toda a situação num cenário de confronto face ao qual o cinegrafista arriscou-se ao pôr-se dentro dele. Ele não tem culpa; estava fazendo o seu nobre trabalho. Tam
pouco foi assassinado cruelmente como agora vociferam. E o que dizer da Band, empresa para a qual ele trabalhava? Não terá ela nenhuma culpa? Quem acompanha as manifestações desde Junho passado sabe que elas têm sido sempre tensas e recheadas de confrontos. Não se envia alguém para trabalhar dentro delas sem proteção.

É vergonhoso como esses abutres da comunicação em massa foram rapidamente caçar um bode expiatório dentro dos grupos mais ativos que protestam pelo Brasil, virando a opinião pública - sempre tão facilmente maleável - contra eles. Há alguns dias fizeram o mesmo com o caso do fusca incendiado, já desmentido com a comprovação através de videos de que ninguém ateou fogo a ele e o seu motorista foi quem avançou sobre o colchão em chamas. Agora estão noticiando a morte do cinegrafista como assassinato e culpabilizando o Black Bloc, promovendo uma verdadeira caça às bruxas. Ora, até então, na esmagadora maioria dos casos em que jornalistas ou cinegrafistas foram vitimados por algum tipo de violência, a polícia sempre foi comprovadamente culpada e a mídia sempre foi demasiado branda nas críticas à generalidade da ação policial (para a mídia há uma enorme diferença entre violência policial contra jornalistas e contra manifestantes). 

A morte do cinegrafista - que é tão lamentável e triste quanto a morte dos manifestantes que já pereceram desde que as manifestações surgiram - foi um acidente (ele estava no meio dos confrontos) que poderia ter sido causado tanto pelos manifestantes quanto pela polícia e poderia ter vitimado qualquer outra pessoa, incluindo manifestantes ou policiais. Haveria festa nos confins da Internet caso o vitimado fosse um manifestante, a direita não diria absolutamente NADA e a mídia remeteria o caso ao rodapé. O cinegrafista não foi um alvo definido, o que, diga-se, não diminui o peso da tragédia. No máximo, acusa-se de homicídio involuntário ao responsável pelo artefato usado, não a totalidade dos manifestantes, como tentam fazer a mídia, o governo petista e a asquerosa direita de plantão na Internet, que agora vomita seu ódio contra os manifestantes, mas que quando sentiu que poderia fazer parte dos protestos e desviar o foco todo para o governo federal, não hesitou, inclusive promovendo perseguição violenta a quem erguesse bandeiras vermelhas. 

Desde o primeiro dia dos protestos, em Junho de 2013, a polícia brasileira sempre procurou o confronto, sempre provocou e sempre foi truculenta e excessiva. Ela é responsável pela tensão criada a cada manifestação de rua. Essas manifestações nunca pertenceram à direita e nem ouviram as diretrizes da mídia. Elas existem diariamente porque há pessoas e grupos ativos envolvidos na organização de atos enquanto os reacionários vomitam sua fúria na Internet. Essa gentinha repugnante, retrato fiel do Brasil das gentes "de bem" e dos "bons costumes", aliada à mídia controlada por um pequeno punhado de grupos financeiros, irá sempre tentar jogar o povo contra os manifestantes, e na maior parte das vezes irá conseguir. Mas é preciso lembrar que há a opinião pública da Internet e há a opinião pública das pessoas nas ruas, e elas não são tão similares como nos fazem crer. É interessa ver como o anonimato da Internet torna as pessoas ainda mais embrutecidas. 99% do discurso encontrado no rescaldo das notícias não passa de histeria e simplismo grosseiro, sempre acompanhado de fúria pseudo-justiceira e de uma gigantesca lacuna onde deveria haver capacidade de discernimento. Trava-se uma implacável guerra ideológica nas entrelinhas da informação e os vencedores são sempre os mais bestialmente desprovidos de escrúpulos.

Sobre o Black Bloc, os mascarados, essa gente agora demonizada pelos idiotas úteis, só digo uma coisa: têm cada vez mais o meu apoio! O preço do transporte voltou a aumentar e os que se utilizam dessa tática são uns dos poucos que estão na rua, enquanto as gentes "de bem" se reduzem à pequenez dos seus comentários no mundo virtual.

Atualização (12/02/2014)


E agora começam a chover textos como este, que servem apenas para saciar o apetite dos famintos por respostas imediatas simplistas. Em primeiro lugar, comparar as manifestações (mesmo as mais agressivas) à violência psicopata é de uma desonestidade intelectual aberrante. Manifestações violentas (o certo é chamar de confrontos entre polícia e manifestantes, geralmente provocados pelos primeiros) acontecem em todos os países, incluindo os mais avançados e calmos do mundo. Elas nunca foram característica especial dos brasileiros. Em segundo lugar, a imprensa brasileira assume essa carapaça judicial e faz seus julgamentos, mas não há nenhuma prova que ligue o autor do disparo a um grupo em concreto, nomeadamente ao Black Bloc, QUE NÃO É UM GRUPO (é incrível ter de repetir isso todas as vezes que o termo é mencionado). Em terceiro lugar, os jornalistas da grande imprensa corporativa estão conseguindo, com essa pressão histérica, levar a classe política (que gosta da ideia) a implantar a Lei Antiterrorista, que irá enquadrar protestos de rua e poderá significar 30 anos de cadeia para manifestantes sob alguma alegação. As elites estão conseguindo instrumentalizar ao máximo a morte do cinegrafista.


Lembram-se do PT, aquele partido da estrelinha vermelha? Esqueçam! O símbolo do PT deveria ser um tucano. Essa corja de burocratas já não sabe o que são movimentos sociais porque eles são-lhe inconvenientes. E os simpatizantes do PT parecem baratas tontas, vivem oscilando entre discursos revolucionários de sinceridade duvidosa e discursos agressivamente reacionários que causam inveja à própria extrema-direita. São uns oportunistas que não têm nenhum respeito pelo cinegrafista morto e utilizam-no como instrumento para políticas repressivas. A tragédia pessoal do cinegrafista está sendo usada para acelerar a aplicação da Lei Antiterrorista para enquadrar manifestantes.


As últimas notícias sobre o caso tornam todo o cenário absolutamente fétido. As pessoas acreditam em tudo o que se publica desde que vá de encontro aos seus interesses (político-partidários). Agora duvido muito que esse rapaz preso (um camaleão que de branco passou a negro) alguma vez fez parte de algum grupo ou teve alguma relação com quem adota a tática Black Bloc. Já estão dizendo que o Black Bloc recebe dinheiro de partidos e até que financia tráfico de drogas. Começa a me cheirar a montagem, afinal o bode expiatório é perfeito. Até há uns tempos atrás o Black Bloc contava com a simpatia da maioria da população segundo as pesquisas da própria imprensa corporativa e a tensão só ia aumentando conforme nos aproximamos da Copa do Mundo. Era preciso, de alguma forma, travar a crescente adesão aos protestos mais radicalizados. Pouquíssima gente está interessada na verdade 
e durante esses dias os meios de comunicação em massa serão uma versão coletiva da Rachel Sheherazade e dos Datenas da vida. Cobrarão que se traga a público culpados por crimes cujos julgamentos já foram feitos por eles. O objetivo não é fazer justiça, mas calar as vozes das ruas e cortar o elo entre elas e a opinião pública, os consumidores de (des)informação.


Atualização (13/02/2014)

Depois de assistir a vários videos publicados na Internet, algumas suposições devem ser descartadas em abono da verdade. Ontem, pelas informações analisadas até então, eu estava quase convencido de que o sujeito preso ou era o que se chama de P2, ou seja, um infiltrado da polícia, ou estava sendo acusado por um crime cometido por uma outra pessoa que poderia ser um P2. Mas, hoje, ao analisar com cuidado várias fotos e videos, parece-me evidente que o rapaz preso não é o mesmo tipo que as imagens mostram falando com a polícia. Ambos têm camisa cinza suada e calças jeans claras, mas alguns detalhes comprovam tratar-se de duas pessoas diferentes. O rapaz preso é pardo e usa sapatos bege. O indivíduo de capuz preto visto recebendo o presumível rojão, que parece mesmo ser o que foi preso, de nome Caio Silva de Souza, tem camisa cinza suada, calças jeans claras e sapatos bege. Também há algumas fotos que o mostram, de frente, segurando um lenço ou camisa preta numa das mãos. Já o outro rapaz, branco, com o perfil semelhante ao do ator Wagner Moura, tem a pele nitidamente mais clara e usa sapatos pretos. Se é P2 ou não, não se sabe até então. Nos videos ele é visto no meio dos manifestantes ou falando com a polícia (junto com outros manifestantes) como se informasse do ocorrido com o cinegrafista. Nenhum video mostra o rojão sendo disparado e ainda há várias perguntas que precisam de resposta. A primeira delas, imprescindível para encerrar as dúvidas, tem a ver com a direção seguida pelo artefato. Pouco tempo após o ocorrido, alguns jornalistas da grande mídia que estavam no local afirmaram ao vivo que ele teria sido disparado pela polícia. As imagens não são muito claras nesse sentido e mesmo após analisá-las várias vezes, fiquei na dúvida. Há uma imagem que sugere que o disparo veio do lado da polícia, mas pode ser apenas um efeito enganador dos estilhaços do rojão. Noutras imagens, parece que o rojão atingiu o cinegrafista por trás vindo do lado dos manifestantes. O que se sabe é que tanto Caio como Fábio confessaram aquilo de que foram acusados, ou seja, o primeiro teria disparado o rojão dado pelo segundo. Não conheço a proveniência de nenhum dos dois e muito menos as suas ideias políticas e nem preciso conhecer por serem irrelevantes perante o ocorrido. Um rojão disparado irresponsavelmente no meio de uma manifestação atingiu e matou um cinegrafista e a atenuação das responsabilidades a serem assumidas só poderá vir da falta de intencionalidade e não das convicções ideológicas. Mas também é preciso dizer que nem Caio nem Fábio são assassinos como gritam telespectadores reproduzindo a grosseria desinformativa dos opinion makers. Não são criminosos cruéis, vagabundos pergisosos nem psicopatas. A morte de uma pessoa resultou de um acidente com um rojão. Pela lei, configura-se o crime, sim. Mas não foi intencional. Os rapazes não agiram com a intenção de matar ninguém nem de atentar contra a liberdade de imprensa. Isto quem faz muito bem é a polícia e é bom não esquecer que Santiago foi o primeiro jornalista morto - e não o primeiro vitimado -, mas não foi a primeira vítima mortal das manifestações e nenhum dos casos anteriores teve manifestantes como culpados. Com uma sociedade que despreza a coleta racional e coerente dos fatos e que berra por respostas simples imediatas, pipocam pseudo experts em psicologia e sociologia por todos os lados, e os jovens manifestantes, até então vistos como esperança para o futuro, são remetidos ao papel de manipulados e baderneiros sem causa por essa trupe fajuta.

Mas há outras perguntas pertinentes: por que o advogado que defende tanto a Caio como a Fábio é o mesmo? Por que ele tentou tão apressadamente ligar o deputado Marcelo Freixo aos acusados? Qual a ligação desse advogado com as milícias policiais do Rio de Janeiro? Por que ele sugeriu que os black blocs são financiados por partidos? Por que o Black Bloc enquanto tática (embora confundida sempre com grupo) se tornou tão rapidamente, sem comprovação, e apenas com o julgamento conveniente da mídia, o grande bode expiatório? Por que a polícia do Rio de Janeiro tem utilizado tantos P2 nas manifestações? De uma hora para outra, manifestantes que vinham tendo a simpatia da maior parte da população e que inclusive tinham se tornado heróis para os professores em luta do Rio passaram a ser os grandes vilões e culpados de todas as mais conspiratórias das acusações? Fala-se até em tráfico de drogas! A quem interessa virar o povo contra os manifestantes às portas da Copa do Mundo? Por que a mídia amplificou tanto um caso e ignorou tantos outros que também tiveram a morte de pessoas nas manifestações? Se o disparo tivesse sido feito pela polícia, todo esse alarido existiria? 

As últimas comprovações em relação aos autores do disparo e, portanto, do crime, não alteram em nada a minha opinião sobre a cobertura da mídia, sobre a postura da polícia e sobre a atuação dos black blocs. Aliás, talvez seja bom discorrer um pouco sobre essa tática que tem sido utilizada como bode expiatório de uma forma tão grotesca. A tática Black Bloc não é nova e nem surgiu no Brasil durante as manifestações de Junho de 2013. Ela não é uma consequência do estado de violência no qual o Brasil está afundado, como sugerem os formadores de opinião da grande mídia, e muito menos é financiada por partidos. Essas acusações que governistas e oposiçionistas fazem, uns empurrando os black blocs para os outros, não passam de politicagem e clubismo partidário. O Black Bloc é uma invenção europeia, nomeadamente alemã e, pelo que consta, surgiu com os anarquistas de Hamburgo, uma cidade conhecida em toda a Europa por ser um importante bastião de movimentos libertários e squats bem ativos e consequentes. A tática supria a necessidade não apenas da ação direta em protestos, mas da própria autodefesa. Por exemplo, quando a polícia tentava desalojar um squat, o black bloc era utilizado para resistir à investida e, obviamente, confrontos violentos se instauravam. A tática ganhou notoriedade mundial sobretudo com os grandes protestos anti-globalização, que tiveram seu ápice durante a reunião do G8 em Gênova em 2001 e que acabou em uma batalha campal gigantesca e resultou na morte do anarquista Carlo Giuliani, vitimado por um tiro na cabeça a sangue-frio disparado por um carabinieri no meio dos confrontos. Em Praga, no ano anterior, a batalha campal também foi muito dura e talvez a necessidade de organizar o black bloc com mais rigor tenha surgido na primeira das grandes manifestações em 1999 na cidade de Seattle - embora o início dos protestos contra o G8, o Banco Mundial, o FMI e a OMC remontem ao final dos anos 80 -, quando os manifestantes pacíficos foram brutalmente reprimidos por batalhões da polícia de choque. Desde então, o Black Bloc vinha sendo utilizado sobretudo na Europa e algumas imagens de protestos mais encarniçados chegavam ao Brasil e todos pareciam olhar para elas e dizer: "pois é, só aqui é que isso não acontece e o povo não faz nada contra essa corja de corruptos". Até que pequenos grupos anarquistas, politicamente engajados, deram a conhecer a tática aos grandes aglomerados que se transformaram em manifestações gigantescas por todo o Brasil. Os manifestantes logo se aperceberam das vantagens em adotar uma postura defensiva efetiva e preparada para a ação direta contra a polícia (talvez quem nunca participou de protestos não compreenda a necessidade de um contingente defensivo pronto para agir ofensivamente). E também perceberam a importância de romper com desfiles carnavalescos arrogantemente ignorados pelo poder político. Ao contrário do que ainda hoje acontece na Europa, a tática Black Bloc no Brasil não é utilizada apenas por anarquistas e dizer que todo black bloc é anarquista é engolir uma das desinformações da mídia. Ela começou a ser gerida de alguma forma por grupos anarquistas que eram os únicos, no começo das manifestações, que sabiam o que ela significava e ainda hoje tentam coordenar ações e ideias através das suas páginas nas redes sociais, mas a tática tem sido usada por vários grupos, ideológicos ou não, e tem sido sabotada por policiais infiltrados, como muitos videos publicados no Youtube comprovam. 

O resultado disso foram as grandes manifestações com confrontos violentos. Quando a polícia agredia, sofria agressão à altura. É claro que, dentre tanta gente com os nervos em chamas, haverá sempre os que se desequilibram e partem para ações com menos sentido, como quebrar e incendiar carros e lojas de cidadãos que nada têm a ver com as elites. Mas estamos falando de manifestações a sério, de revolta popular, e ela SEMPRE, em qualquer parte do globo, foi expressada em excessos, contradições e atos desesperados. Sempre! É isso que caracteriza a revolta popular. Alguém espera que a luta nas ruas seja feita por intelectualóides responsáveis? A revolta mais genuína é a revolta do povão oprimido economicamente. Esse povão forma uma massa heterogênea, confusa, sem grandes convicções ideológicas, sem discursos coerentes e profundos, mas com a revolta genuína de quem sente na pele a humilhação, e essa revolta é muito mais forte quando unificada e apontada para um alvo do que qualquer postulado ideológico intelectual. Claro que há causas e reivindicações, por mais esfumadas que algumas possam ser, e elas são quase sempre identificadas com o que se entende por lutas da esquerda por um motivo evidente: a direita representa o status e os privilégios. SEMPRE foi assim. A direita sempre negou as causas populares, sempre desprezou os sindicatos e os grupos desprovidos de teto ou terra. A direita sempre tentou se agarrar aos valores burgueses e às elites higienistas e nunca assumiu o protesto de rua como uma forma de luta. NUNCA! A direita sempre odiou movimentos sociais e protestos e é por tudo isso que as lutas sociais estão ao lado dos valores da esquerda, seja a do espectro político-partidário, seja a que foge a ele e que nem deve ser chamada de esquerda exatamente por não ser parte desse espectro. Ora, a direita que diz que as causas sociais estão sequestradas pela esquerda e que reivindicam espaço dentro delas é hipócrita e parece ignorar a própria história das ideias direitistas. A esquerda disseminou-se pelas causas sociais porque foi sempre quem deu ouvido a elas e quem tentou dar sentido organizativo ao sentimento de revolta. É ululante!

Dito isso, e no meio de tanta histeria, tanta desinformação vinda de TODOS os lados, tanta gritaria, tanto julgamento midiático e tanta incapacidade de discernir a conjuntura dos acontecimentos numa ordem social, política e econômica, eu sei bem de qual lado estou. Apesar de todas as contradições e de todos os excessos, eu estou ao lado de quem está na rua em revolta. Escrevo à distância, de um país europeu que está afundado numa crise gravíssima que tem concentrado riqueza nas elites e destruído o Welfare State e as conquistas sociais que só foram possíveis através da luta popular. Ao contrário do que tem ocorrido no Brasil, por aqui, em Portugal, as pessoas continuam adormecidas e embora todos estejam fartos de uma crise que tem enviado milhares de jovens por ano a procurar trabalho no exterior, não há materialização da revolta e o pão-e-circo continua gerindo bem as emoções populares e as desviando de comportamentos ativos "perigosos". A minha vontade é de estar no Brasil reforçando quem está nas ruas, seja mascarado ou não. A mídia tem poder para moldar o sentimento do povo e não me espantará se a partir de agora o teor da perseguição e criminalização dos movimentos sociais aumentar a um nível ainda mais agressivo. Quem está de alguma forma ligado às manifestações e às suas causas deve perceber que a luta não é apenas caminhando nas ruas, gritando palavras de ordem e resistindo à polícia, ela também é travada nas entrelinhas da informação e na gestão da compreensão da mesma, na capacidade de discernir, de compreender, de filtrar, de reconhecer manipulações emocionais. A grande mídia brasileira é um dos grandes inimigos das mobilizações sociais e deve ser combatida com o mesmo vigor com que se luta contra as medidas anti-sociais do governo. O jornalista morto, o pobre coitado que teve a infelicidade de ser atingido no meio dos confrontos, não é mártir da mídia nem do governo nem das "pessoas de bem". Ele é um mártir da própria família e de um país em profunda convulsão social que clama por justiça. Instrumentalizar a sua tragédia pessoal é repugnante, mas os inimigos da revolta popular, os que têm medo dela, o farão e expressarão o oportunismo tanto da direita higienista à espreita para abocanhar o poder político, como da esquerda governista burocratizada e convertida numa quadrilha reacionária viciada no poder. 

Por fim, eu gostaria de deixar um recado para Vanessa Andrade, a filha do cinegrafista Santiago: seja uma grande jornalista e honre o nome do seu pai. Desejo que a sua profissão possa ser exercida com mais respeito por parte das empresas de jornalismo e com mais segurança por parte da sociedade. Sobretudo, espero que você dignifique a profissão e atue fazendo a diferença positivamente, porque uma profissão tão importante e digna como essa não merece ser exercida por gente tão medíocre, desonesta e funcionalmente analfaburra como as que controlam os grandes grupos que a mantêm sequestrada.

4 comments:

  1. ... por mais que o objetivo não tivesse sido atingir alguém em específico. Como é? O objetivo era atingir policiais.

    ReplyDelete
    Replies
    1. Osmar, como eu disse no texto, o artefato não deveria ter sido usado na manifestação contra quem quer que fosse. Mas deixe-me dizer que o objetivo era, sim, atingir policiais num cenário de confronto no qual a polícia também estava atirando bombas de gás e balas de borracha contra manifestantes. É ilegal usar esses artefatos perigosos? Deve ser. Como também é ilegal enviar policiais sem identificação para manifestações.

      Delete
  2. Excelente análise. A mais lúcida que li até agora.

    ReplyDelete